Caríssimos magistrados,

A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo tem a honra e a satisfação de sediar o 73º ENCOGE – Encontro Nacional dos Corregedores Gerais da Justiça, com o escopo de fomentar o diálogo e o intercâmbio do conhecimento prático e da experiência vivida e, desta forma, promover o aperfeiçoamento do exercício da atividade correcional, sob o prisma da ideologia que colima aprimorar o exercício da função jurisdicional.

Recepcioná-los no Palácio da Justiça da Terra de Piratininga, templo deste Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, instituído por Dom Pedro II com fundamento no artigo 158 da Constituição Imperial de 1824 e instalado na Província de São Paulo aos 3 de fevereiro de 1874, consubstancia para todos nós imensa alegria.

Nesta festiva solenidade de iniciação dos trabalhos é preciso rememorar que o primeiro Presidente do Tribunal da Relação da Imperial Província de São Paulo foi o Conselheiro Tristão de Alencar Araripe, cearense da Vila de Icó. Interessante destacar, ainda, que, dentre os sete desembargadores da composição inicial deste sodalício, apenas um era paulista. Os demais eram naturais das províncias do Rio de Janeiro, Bahia e Mato Grosso. Nós, juízes paulistas, orgulhamo-nos de pertencer a uma magistratura que, desde sua constituição, acolheu fidalgamente em seu seio magistrados oriundos de todos os rincões brasileiros. Recentemente, nosso Tribunal de Justiça deu posse a 77 novos magistrados aprovados no 186º Concurso de Ingresso à Magistratura Paulista e, como tradicionalmente ocorre, 25 dentre eles vieram de outros estados brasileiros.

Esta mescla cultural de mais de 140 anos, amalgamada por altivo e acendrado patriotismo, cuja manifestação primeira foi a Insurreição Pernambucana, logrou fundir diferentes tradições de nossa história regional, dando unidade a caracteres geográficos compostos por pampas, campos, cerrados, florestas, caatingas, serras e planícies, litoral com imensas praias, climas variados, condições sociais e econômicas das mais diversificadas, trazendo para São Paulo juízes oriundos de todos os estados de um Brasil continental. Elementos tão díspares e contraditórios forjaram a magistratura paulista que, ao se ufanar sobranceiramente da nacionalidade brasileira, outorgam-lhe qualidades para que ela se constitua justo orgulho do povo bandeirante.

Por tais motivos, ao acolher na Sala Ministro Costa Manso, sacrário da Justiça Paulista, os eminentes Desembargadores Corregedores Gerais da Justiça de todas as unidades federativas de nosso país, os ilustres Juízes Assessores das Corregedorias Gerais e os leais e diligentes servidores do Judiciário, participamos de evento extremamente relevante, que ficará gravado com letras de ouro na história e nas gloriosas tradições do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Estimados magistrados, sejam bem-vindos a São Paulo para tratarmos do tema do 73º ENCOGE DE SÃO PAULO:

"A CORREGEDORIA NA PÓS-MODERNIDADE: POR UM NOVO KAIRÓS"

Como é cediço, a realidade quotidiana pós-moderna revela paradigmas fundados em sociedade de hiperconsumo, cujos efeitos se refletem, à saciedade, na denominada síndrome do pensamento acelerado, com amplo destaque à figura do turboconsumidor policrônico, permitindo divisar efetiva felicidade paradoxal, informada pelo fenômeno da penia, definida por Gilles Lipovetsky como "a imediata realização dos gozos materiais aliada à infelicidade existencial", fatores que desencadeiam o crepúsculo do dever e a ética indolor *.

Nesse contexto, aliado à multiplicidade de grupos sociais, fragmentação, dispersão e justaposição de valores, relativismo, hipercomplexidade e competição corrosiva, ínsitos ao paradigma pós-moderno, observa-se, como preconiza Gary Minda, a inexistência de valores compartilhados (shared values), fundamentais à concretização da solidariedade social tão propalada, o que multiplica situações conflitivas **.

Tais premissas levam à inelutável inferência de que um novo kairós (caminho) é imprescindível, o que impõe à figura do juiz, como pedagogo dos valores fundamentais e arauto da esperança ética, ulteriores desafios, que serão objeto de detida reflexão e debates.

Com tais análises, pretendemos harmonizar as experiências hauridas ao longo da história, com o escopo de aperfeiçoar a atividade orientadora e correcional das Corregedorias Gerais da Justiça, preparando-nos para trilhar novos caminhos que nos levem a prestar uma jurisdição eficiente, rápida, justa, segura e comprometida com a ética e a dignidade da pessoa humana.



DESEMBARGADOR MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo



* Cf. A felicidade paradoxal. Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo, pp. 104-126; 157-171. São Paulo: Companhia das Letras, Maria Lucia Machado (trad), 2007.

** Cf. Postmodern Legal Movements: Law and Jurisprudence at Century’s End. New York: New York University Press, 1995. No mesmo diapasão, vide: Antonio Junqueira de Azevedo, O direito pós-moderno e a codificação, p.55-63, (In), Estudos e pareceres de Direito Privado, São Paulo, Saraiva, 2004; António Manuel Hespanha, O Caleidoscópio do Direito. O Direito e a Justiça nos Dias e no Mundo de Hoje. Lisboa, Almedina, p. 469-485, 2ª ed, reelaborada, 2009.