Juiz das garantias amplia qualificação da Justiça Criminal no TJSP

Tribunal alia experiência, especialização e capacitação. 
 
A implementação do juiz das garantias exigiu profunda mudança estrutural na Justiça Criminal do país. Por força das alterações trazidas pela Lei nº 13.964/19, a atuação judicial na área criminal de primeira instância, antes concentrada em um único órgão julgador, passou a ser dividida, via de regra, entre dois órgãos: o primeiro, dedicado à fase preliminar, competente para análise e julgamento de pedidos como prisões e medidas cautelares relativas à fase de investigação, e outro órgão dedicado à fase de instrução e julgamento. Para isso, o Tribunal de Justiça de São Paulo criou 13 varas regionais das garantias, distribuídas entre as dez Regiões Administrativas Judiciárias (RAJs), sendo que nove já estão em funcionamento. Entre os principais desafios, estão o volume e a complexidade de procedimentos no Judiciário paulista, como o grande número de audiências de custódia, com previsão preferencial de realização presencial, a concentração de atividades demandada pelo exercício da Corregedoria Permanente da Polícia Judiciária, o estabelecimento de fluxos para evitar que o mesmo juiz participe das duas fases da persecução penal e a reestruturação das unidades judiciais. 
Os desafios são apontados pelo juiz assessor da Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) Gláucio Roberto Brittes de Araujo, integrante do grupo de trabalho responsável pela implantação do instituto no TJSP e coordenador do curso “Capacitação para juiz das garantias no TJSP”, realizado pela Escola Paulista da Magistratura (EPM) e pela CGJ. “A enorme gama de competências das varas regionais demanda atualização, compreensão das implicações dessa reestruturação e das funções do controle de legalidade da investigação e da proteção dos direitos fundamentais, além dos contornos singulares que o Supremo Tribunal Federal conferiu à disciplina legal do Pacote Anticrime.” 
O magistrado destaca as vantagens do instituto, como a uniformidade de critérios decisórios e a segurança jurídica conferidas pela regionalização, a intensificação da interlocução com outras instituições e com a sociedade civil e a especialização, que possibilita a concentração de esforços em peculiaridades e competências sensíveis, como os instrumentos de persecução das organizações criminosas e crimes conexos, sobretudo lavagem de dinheiro, e o acompanhamento de grandes operações, com impacto midiático. 
Na Capital também são desenvolvidos projetos de acolhimento às vítimas e de acompanhamento de custodiados liberados para evitar a reincidência, que serão estendidos às demais varas regionais. O projeto de atendimento às vítimas está inserido em uma mudança no processo penal, com inovações legislativas que alteraram o perfil e deram voz à vítima, como a transação penal, a suspensão condicional do processo e o acordo de não persecução penal, que exigem a reparação do dano, e a Lei nº 14.245/21 (Lei Mariana Ferrer), que proíbe a revitimização. 
 
O bom desafio 
Aluno da capacitação, credenciada na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), o juiz coordenador da Vara Regional das Garantias da 6ª RAJ, Nemercio Rodrigues Marques, assumiu a função após atuar 17 anos na área cível e considera essencial a formação continuada de magistrados e servidores. “A vara das garantias abrange várias atribuições e peculiaridades, com uma dinâmica diferente, volume grande de demandas e mesmo os funcionários que atuavam em varas criminais precisam ter outro enfoque.” 
Sediada em Ribeirão Preto, a 6ª RAJ possui oito circunscrições judiciárias e 48 comarcas, abrangendo mais de 90 cidades. O magistrado considera que o maior desafio da Vara Regional das Garantias, instalada em maio deste ano, é administrar a pauta das audiências de custódia, realizadas por 117 juízes, presencialmente e nas quatro salas virtuais, divididas entre as sete unidades prisionais da região. A média é de 10 a 12 custódias por sala virtual, mas em dia de operação policial, já chegou a atender 100 presos em uma manhã. 
A concentração dessas atribuições em uma vara no Interior é novidade. Nemercio Marques destaca que o instituto possibilita que o juiz do Interior também se especialize, o que reverte em favor da prestação jurisdicional. “É uma atuação muito interessante a parte investigativa, pré-processual. É desafiadora, mas, ao mesmo tempo, é um bom desafio e fico feliz em participar desse momento de mudança no Tribunal.” 
 
Uma nova Justiça 
O Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) se tornou a Vara das Garantias da Capital, que acumula quase 40 anos de experiência na organização procedimental e pré-processual e dez anos com as audiências de custódia. “Essa especialização foi fundamental para que as varas criminais comuns da cidade tivessem tranquilidade na administração dos seus processos”, salienta o juiz coordenador do Dipo, Antonio Maria Patiño Zorz, observando que a Capital tem quase 90 mil inquéritos policiais em tramitação e quase tudo é urgente. 
Patiño enfatiza a quantidade de atribuições e a profundidade da ação do juiz das garantias, além da necessidade de encontrar uniformidade em coisas não uniformes. “É primordial entender a dinâmica do trânsito dos inquéritos policiais e das cautelares e fazer a interlocução com a nossa matéria-prima, que é a polícia judiciária.” Ele observa que a criminalidade vem se especializando e que se não houver agilidade, perde-se a investigação. “Às vezes um expediente tem 15 a 20 pedidos de prisão e 30 a 40 mandados de busca e apreensão. O juiz das garantias deve se adaptar a essa rapidez, administrar o reclamo da polícia e dosar o resguardo intransigente dos direitos e garantias do acusado com a invasão à esfera desses direitos e garantias, para consolidar uma prova.” 
A experiência do Dipo também foi aproveitada no projeto de encaminhamento dos custodiados liberados aos serviços de assistência social, psicológica ou outro tipo de orientação. Patiño lembra que a audiência de custódia foi idealizada com o auxílio de um braço assistencial, visando auxiliar os custodiados a tratarem a drogadição e a buscarem trabalho. Ele liderou um projeto nesse sentido com apenas cinco assistentes sociais, que prestaram atendimento a quase 200 pessoas e tiveram percentual de 78% de atendidos que não voltaram a praticar crime. “Não vamos acabar com o crime, mas talvez com o encarceramento maciço”, pondera. 
Para Patiño, o juiz das garantias está no contexto de uma nova Justiça e o papel do magistrado é fundamental nessa reorganização ou nova leitura do que se espera seja uma transformação da Justiça. “Não é com lei, nem com prisão preventiva que solucionaremos a parte criminal. Precisamos ter uma preocupação holística, envolvendo não só a Justiça, mas também outros organismos, para sensibilizar e cuidar do ser humano. Caso contrário, o número de vagas nos presídios continuará a aumentar, mas a violência não cessará. Enxergar o ser humano e não apenas o processo é essencial para o sucesso do juiz das garantias.” 
 
Regulamentação e escopo do juiz das garantias 
O juiz das garantias, criado pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/19), foi objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 6.298, 6.300 e 6.305. A partir do resultado do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, o instituto passou a ser obrigatório, com prazo de um ano para a sua implementação pelos tribunais, prorrogável por mais um ano. A regulamentação foi feita por meio da Resolução n° 562/24 do Conselho Nacional de Justiça e, no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, pela Resolução nº 939/24.  
O juiz das garantias é responsável pela fase pré-processual, que termina com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. Ele tem a função de supervisionar e controlar a legalidade da investigação criminal e assegurar os direitos fundamentais do investigado. Para isso, deve ser comunicado imediatamente sobre a prisão de suspeitos.  
Entre as suas atribuições estão a audiência de custódia, a autorização das medidas cautelares reais e pessoais, como prisões preventivas e temporárias e buscas e apreensões, e o uso de meios de prova excepcionais, como quebras de sigilo e interceptações telefônicas. Ele também deve realizar inspeções nos estabelecimentos penais, depoimentos e escutas especializadas e homologar o acordo de não persecução penal, entre outras funções. 
A competência do juiz das garantias não abrange os processos de competência do Tribunal do Júri e de competência originária dos tribunais superiores, casos de violência doméstica e familiar e infrações de menor potencial ofensivo, estas processadas nos Juizados Especiais Criminais. O juiz das garantias é responsável pelas audiências de custódia de todas as competências criminais, inclusive aquelas relacionadas à Lei Maria da Penha e ao Tribunal do Júri, que são enviados à vara competente.
 
*N.R.: Texto originalmente publicado no DJE de 16/7/25
 
Comunicação Social TJSP – MA (texto) / KS, LC e PS (fotos) / MK (layout)
 
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