EPM, CIJ e Ibdcria-ABMP promovem o encontro ‘Humilhação e infância’

Claudine Haroche foi a expositora.

 

Foi realizado ontem (12) na EPM o encontro Humilhação e infância, promovido em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito da Criança e do Adolescente (Ibdcria-ABMP) e a Coordenadoria da Infância e da Juventude (CIJ). A socióloga francesa Claudine Haroche foi a expositora do evento, com a participação como debatedores do juiz Eduardo Rezende Melo, coordenador da área da Infância e Juventude da EPM e integrante da CIJ, e da professora de Filosofia Olgária Matos.

 

A abertura dos trabalhos foi feita pelo diretor da EPM, desembargador Francisco Eduardo Loureiro, que ressaltou a importância do evento e agradeceu a participação de todos, lembrando que o encontro teve cerca de 800 inscritos nas modalidades presencial e a distância.

 

O diretor do Ibdcria-ABMP, Raul Augusto Souza Araújo, salientou a necessidade de compreender a questão da humilhação nas relações sociais brasileiras e de aprofundar temas na área da infância e juventude.

 

Em sua exposição, Claudine Haroche lembrou que a humilhação é imemorial, reprimida e silenciosa, pontuada por eventos que se traduzem ao longo dos séculos sob a forma de signos, gestos, posturas e olhares de submissão. “Quer nasça do afrontamento ou da indiferença infligida deliberadamente ou involuntariamente, a humilhação sentida questiona o orgulho, a honra, a dignidade”, esclareceu.

 

A palestrante observou que na democracia moderna busca-se promulgar a igualdade de todos e recusar as hierarquias, pensando-se que isso é uma forma de descartar a humilhação. “A etiqueta, as maneiras, nos tratados de civilidade, as regras do protocolo, as leis da guerra, foram responsáveis durante longo tempo de descartar ou pelo menos de limitar e de codificar a humilhação a fim de proteger as sociedades, os povos e os indivíduos. A abolição dos privilégios, assim como a redação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, não conseguiu impedir o retorno de diferentes formas de classificação de hierarquização social, econômica e às vezes racial dos povos, dos grupos, das identidades e das comunidades. E vão chegar com muita frequência à sua inferiorização, à sua humilhação e até mesmo à sua animalização ao longo dos séculos XIX e XX”, explanou.

 

Ela salientou que o engajamento solene da Declaração dos Direitos do Homem toca como uma confissão do fracasso de proteger qualquer ser humano das degradações e da negação infligidas ao longo da Segunda Guerra Mundial. “Codificada, limitada por rituais nos quadros institucionais sob o antigo regime, a humilhação foi se estendendo progressivamente com o descrédito das formas antigas para dar lugar a uma humilhação insidiosa, difusa”, observou, ponderando que em uma democracia a humilhação vai mais longe e é mais dificilmente definível.

 

Claudine Haroche falou ainda sobre as formas de humilhação contemporânea, frisando que inevitavelmente conduzem a uma desqualificação subjetiva e à oscilação entre uma impotência profunda e uma potência narcísica. E explicou que, além das condições de trabalho, foram as condições de existência que mudaram as formas de humilhação. “As antigas persistem, mas há maneiras de humilhação inéditas que se apresentam com novas tecnologias e com as mídias sociais. Temos multidões sem rostos, mas bem reais nas redes sociais que se entregam a uma forma de linchagem inédita por comunidades inumeráveis e anônimas que analisam a vida por meio das mídias”, ressaltou.

 

Ela acrescentou que há outra forma de humilhação decorrente da obrigação de viver constantemente sobre telas: “é uma forma de humilhação difícil de ser analisada, que pode ser feita por autores, indivíduos, instituições e pode não ter um agente visível. São novas tecnologias que a geram e que geram uma miséria social e psíquica que afeta o mundo. Elas abrigam e privam o olhar do outro sempre fazendo isso por meio de telas, gerando uma falta de contato que não seja através de meios sociais. A pessoa vai se tornando frágil e desorientada ao passar por tal humilhação e pode passar por um apagamento, pela distância dos outros, ao invés de instauração de conexões duráveis, abalando as maneiras de proteção sociais e psíquicas, gerando uma exclusão que toca o núcleo mais profundo do indivíduo no sentido de identidade, especialmente nas sociedades ocidentais, que valorizam fundamentalmente o dinheiro e a relação entre a independência, as relações com instituições, gerando a estigmatização e a humilhação do indivíduo”, ponderou.

 

Eduardo Rezende salientou a importância da reflexão sobre a questão no âmbito do Direito. “Muito me tocam essas questões da pobreza como um grande espaço de humilhação e da colonização que se processa em relação a pessoas e grupos comunitários tidos como atrasados e que não alcançam a modernidade”, declarou. E apontou a necessidade da promoção de qualidade de vida pelo Estado e de se pensar em estratégias de superação das atuações que conduzam ao processo da humilhação e da vergonha.

 

Olgária Matos observou que a aceleração determinada pelas novas tecnologias e pelo capitalismo não permitem mais a formação de valores, pois, para serem efetivos e organizarem a vida subjetiva e da coletividade, é preciso duração. E mencionou o desligamento das relações que exigem o longo prazo: entre pais e filhos, de amizade, de amor, de trabalho. “Com a fragmentação do trabalho temos um operariado sem classe operária e uma massa de desempregados, de humilhados, porque são descartáveis. As questões do contemporâneo são humilhantes e as instituições podem ser humilhantes”, ponderou, enfatizando que toda inferiorização e toda recusa de ouvir a palavra do outro é humilhante.

 

Também compôs a mesa de trabalhos o desembargador Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, coordenador da área da Infância e Juventude na EPM e vice-coordenador da CIJ.

 

RF (texto e fotos)

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