EPM inicia curso de especialização em Direito Privado

Em 1º de março, teve inicio o 1º curso de pós-graduação lato sensu, especialização em Direito Privado (Novos Temas de Direito Civil), da Escola Paulista da Magistratura. A aula inaugural “Evolução do Direito Privado Constitucional ou Novos Paradigmas do Direito Civil Contemporâneo” foi proferida pelo desembargador Renan Lotufo, também coordenador do curso, e contou com a presença dos desembargadores Marcus Vinicius dos Santos Andrade, diretor da EPM, Antonio Rulli Júnior, vice-diretor da EPM, Benedito Silvério Ribeiro, coordenador da área de Direito Privado da EPM, Heraldo de Oliveira Silva, coordenador de eventos e publicidade da EPM; do presidente do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo, juiz Evanir Ferreira Castilho; e do advogado Arnold Wald Filho, representando o presidente da OAB-SP.

Realizado às terças (seminários) e quintas-feiras (aulas expositivas), o curso tem três módulos: “Direito Civil Constitucional e a Nova Sistemática da Parte Geral”, “Novas Questões de Obrigações e Contratos” e “Responsabilidade Civil, Direito de Empresa, Direitos Reais e Direito Intertemporal (Conflitos das Leis no Tempo e no Espaço)”, totalizando 360 horas/aula, e 60 horas/aula de Didática do Ensino Superior. O curso tem como professores assistentes os juízes Carlos Alberto Garbi, Hamid Charaf Bdine Júnior, Marcelo Benacchio, Marco Fabio Morsello e Rubens Hideo Arai.

 

Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Renan Lotufo exerce as atividades de professor e advogado e preside o Instituto de Direito Privado e a Câmara de Mediação e Arbitragem do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo. Ele foi o responsável pelo 1º curso de especialização em Direito Público da EPM, além de proferir palestras em diversos eventos da Escola.

Em sua aula, discorreu sobre a evolução histórica do Direito Privado, desde a criação dos primeiros códigos até chegar à perspectiva atual do Direito Civil. “O que nós denominamos ‘Código’ não é apenas a reunião de leis sobre determinada matéria. Codificar o Direito é coordenar as regras pertinentes às relações jurídicas de uma só natureza, criando um corpo de princípios dotados de unidade e deduzidos sistematicamente.” Ele lembrou que os primeiros códigos remontam a povos com os quais não tivemos contato histórico direto, como o “Código de Urnamu” de 2100 A.C, que foi descoberto no início do século XX e o “Código de Hamurabi”, de 1780 A.C.. Ele também chamou a atenção para o conjunto normativo Romano, aquele que mais influenciou o Direito ocidental, e o código de Christiano V, da Dinamarca, publicado em 1683, o primeiro no âmbito do Código Civil.

O palestrante destacou o advento do Código Civil francês, de 1804, o chamado “Código Napoleônico”, que representou um marco histórico para o Direito. “O Código Civil francês, centralizado nos institutos da propriedade e do contrato e marcado por um caráter de unificação nacional, teve tamanha repercussão que serviu de base para o sistema legislativo da Itália e foi modelo para a elaboração de códigos de inúmeros outros países.” Ele também lembrou que este foi um código de difícil geração: “É bom ressaltar que a Revolução Francesa não se deu exclusivamente contra a nobreza, mas também contra a magistratura, uma vez que esta era nomeada pela nobreza e, não havendo leis, cada juiz decidia de acordo com o caso concreto, dando margem ao casuísmo. E, sendo influenciados pela nobreza, normalmente, os julgamentos eram contra o povo”.

O movimento de codificação

 

Em seguida, Renan Lotufo discorreu sobre o movimento de codificação verificado no século XVIII, lembrando que ele visava não apenas ordenar e tornar claro o Direito, mas mudá-lo. “Houve uma relação muito intensa dos códigos com o espírito das nacionalidades. Analisando esse desenvolvimento, verificamos que o que marcou o mundo do Direito foi a ‘codificação’, termo que nasceu muito tempo depois daqueles códigos mais antigos.” Ele explicou que o movimento de codificação foi impulsionado pela Escola Moderna de Direito Natural e pelo Iluminismo, sendo também resultado da queda do mito da autoridade universal do Papa e dos imperadores, substituído pelo conceito de soberania dos Estados. “Vários soberanos perceberam na codificação um meio eficaz para favorecer uma política de unificação nacional, que fortalecia a independência política, bem como os poderes sobre os cidadãos, mediante um controle efetivo da evolução jurídica frente ao casuísmo dos juízes.”

Ele acrescentou que essa codificação correspondia às exigências da burguesia em ascensão e veio em conjunto com o capitalismo, representando muito mais do que uma transformação nas relações de propriedades imobiliárias. “Os codificadores também passaram a voltar-se enfaticamente para os direitos humanos, para a ênfase no indivíduo, para a autonomia do cidadão e para os direitos da propriedade privada. Tudo isto resultou em um código que foi construído cuidadosamente como um instrumento legal, político e social.”

O palestrante também lembrou as transformações ocorridas na sociedade após a Segunda Guerra Mundial, com a redemocratização, iniciada com a nova Declaração Universal dos Direitos dos Homens, que passou a ser o grande centro emanador de valores para todo o mundo, inclusive para o Direito Privado.

O papel dos códigos

Ao final de sua exposição, Renan Lotufo discutiu o panorama atual da codificação e o seu papel na legislação das nações. “Admitindo-se que o Código Civil não é o centro da legislação, mas sim a Constituição, cabe aos códigos um papel extremamente importante, que é o de veicular princípios e normas infraconstitucionais que complementem a Constituição. O papel fundamental dos códigos é concretizar os valores constitucionais.”

Ele citou o projeto de criação de um Código Civil Europeu como um exemplo marcante da evolução da codificação. “A idéia da codificação foi ampliada e superou as propostas originais: já não se fala mais em código para a unificação nacional na Europa, mas sim de um código europeu para a unidade continental. Segundo um dos redatores deste Código, não se pode seguir o percurso da soberania nacional, adotado pelos povos do século precedente, mas sim se empenhar para que a coletividade busque um Direito justo, que não distinga entre o Direito nacional e o internacional, e que aproveite e valorize duzentos anos de codificação”.

Nesse contexto, o palestrante discorreu sobre o Código Civil brasileiro, de 2002. “Se essa é a nova perspectiva da codificação, devemos saudar nosso Código Civil, que não quer ser uma Constituição, mas sim um corpo de normas com cláusulas abertas, para servir e viabilizar a atuação de todo o Direito Privado.” Entre as alterações trazidas pelo Código de 2002, ele ressaltou a recolocação do instituto dos negócios jurídicos dentro das normas da Parte Geral, com a inclusão de valores antes ignorados no Direito brasileiro, como o abuso do Direito e a função social dos contratos, além de inúmeros outros institutos importantes para o cotidiano do cidadão brasileiro. “Embora tais inovações não sejam suficientes, representam um avanço significativo para a melhor efetividade dos valores constitucionais”.

Entre os princípios contidos no Código Civil de 2002, Renan Lotufo destacou o princípio da socialidade, que representa um equilíbrio entre o valor do indivíduo e o valor da sociedade, e o princípio da atividade, que ele citou como condição de manutenção da dignidade do ser humano. “Todo o Código ressalta a necessidade de o sujeito de Direito ser ativo na preservação e no exercício de seus direitos. No novo Código Civil brasileiro, o proprietário não será mais proprietário se não for ativo socialmente. Este princípio também está atribuído ao juiz, pois, no mundo atual, ele não é mais um mero tutor da lei, mas sim um participante da integração dos valores expressos nos princípios gerais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, bem como da atualização e da oxigenação permanente do ordenamento. É mais uma vez pensar no Direito Privado como o Direito comum, do ser humano, que é e sempre deverá ser o centro de imputação do Direito como permanente evolução do respeito à sua dignidade”, concluiu.

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