MUSEU DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Comunicado

O FERIADO ESCOLAR DE 15 DE OUTUBRO, “O DIA DO PROFESSOR”

O mundo escolar, a partir do curso primário, como tantas vezes tem sido afirmado, é a miniatura da vida social.Essa complexa comunidade infanto-juvenil, compreendendo o corpo discente e o quadro administrativo da escola, foi tema do célebre “Cuore”, de Edmundo D’Amicis que se tornou, graças a feliz tradução de João Ribeiro, em 1891, a leitura mais popular em nossas escolas, através de sucessivas reedições da editora Francisco Alves, cujo texto ganhou um novo lume, alimentado pela editora Hemus, mediante tradução e notas de João Amendola.

Hoje, a formação desses abnegados mestres compete ao CEFAM (Centro Específico de Formação do Magistério), cujo destino, como fora o dos antigos e prestimosos Institutos de Educação, também está na contagem regressiva, em face da exigência legal de habilitação superior para o exercício da profissão.

A escolha da data
A princípio, a classe dos professores, embora respeitada pela comunidade, sobretudo na zona rural, não contava com nenhuma data no calendário, para exaltar a importância de sua atuação na educação básica das novas gerações. A idéia, acalentada por longo tempo, ganhou maior relevo em 1948, na Assembléia Legislativa do Estado, através do projeto nº 501, apresentado pelo deputado Salles Filho, que, depois de regular tramitação, viu-se convertido na lei nº 174, de 13 de outubro do mesmo ano, promulgada pelo então Governador Adhemar Pereira de Barros.

O importante ato foi referendado pelo Secretário da Educação, prof. João de Deus Cardoso de Mello, antigo Promotor de Justiça e Subprocurador Geral do Estado, de acordo com a nomenclatura da época, que designava o membro do Ministério Público de 2ª Instância.

Inspirado nesse diploma legal, que declarava feriado escolar o dia 15 de outubro, o governo federal, por meio do Decreto nº 52.682, de 14 de outubro de 1963, estendeu a homenagem a todos os estabelecimentos de ensino, a fim de enaltecer a função do mestre na sociedade moderna, fazendo participar os alunos e as famílias, dessa solenidade.

O referido decreto resultou da iniciativa do Ministro Paulo de Tarso, no tumultuado governo de João Goulart, com a recomendação, expressa, para que se realizasse através dos órgãos competentes, cada ano, concursos alusivos à data e à pessoa do professor.

Os antecedentes da idéia
A idéia da valoração da função de mestre-escola remonta ao projeto do cônego Januário da Cunha Barbosa, sobre a instrução pública na legislatura de 1826, cuja discussão, no plenário da Câmara dos Deputados , ganhou excepcional destaque no tocante à conveniência ou não de freiras se dedicarem ao ensino das jovens, segundo a mentalidade da época, contrária à existência de conventos de religiosas.

O deputado Lino Coutinho, participando do debate da matéria, propôs que as mestras fossem dispensadas de exames públicos, sob a alegação de que tal exigência poderia vexá-las, tendo Diogo Antonio Feijó e Paula Souza, ambos paulistas de Itú, concordado com a proposição, mas sem o apoio do deputado Bernardo Pereira de Vasconcellos, que julgava indispensável o questionado exame, enquanto Xavier de Carvalho preferia que as mestras passassem por uma prova menos rigorosa do que os homens.

Finalmente, o projeto da escola pública vai à votação e, uma vez aprovado, converte-se em lei a 15 de outubro de 1827.

O sistema escolar do ensino primário, regulamentado por essa lei, preconizava a adoção do ensino mútuo, ou do ensino simultâneo que andava em voga desde os primórdios do Império, depois que Bell e Lancaster o tinham adotado na Inglaterra, a ponto de o nosso primeiro Imperador referir-se à criação de uma escola desse tipo, no Rio, na primeira Fala do Trono, quando da abertura da malograda Assembléia Constituinte de 1823.

Consistia tal método pedagógico em utilizar os alunos mais adiantados na matéria, denominados “decuriões”, com encargo de repetir as lições às classes menos adiantadas, de maneira a dispensar, dessa forma, o trabalho do professor, com aparente economia de custo.

Era o método Lancasteriano, que, além de socorrer-se de mini-professores, subrogados na função educativa, permitia o uso da palmatória, entre outros castigos corporais, porém de forma moderada. A remuneração das mestras variava de acordo com o local de trabalho – vilas de beira-mar, freguesias e outras vilas menores, além da capital da província, - recebendo de 200 a 500 mil reis por ano, época em que ainda não havia a figura do professor secundário.

Como refere José Antonio Tobias, depois de vinte anos de experiências decepcionantes, o Governo aceitou o fracasso do método, atribuindo-o, não ao método em si, mas ao Brasil, que não oferecia condições necessárias para a sua aplicação (cf. “História da Educação Brasileira”, 2ª edição, pág,193), constando que, já em 1833, declinava o entusiasmo pelo sistema, motivo pelo qual o Ministro Campos Vergueiro desencorajava a fundação de novas escolas com semelhante método de ensino.

O Ato Adicional, de 12 de agosto de 1834, que modifica o caráter unitário do Império brasileiro, inaugura a descentralização do ensino, atribuindo às Assembléias Legislativas provinciais a faculdade de legislar sobre a instrução do povo e os estabelecimentos de ensino destinados a promovê-la, salvo no tocante ao ensino superior, implantado no País desde 1827.

No tempo da escola “risonha e franca”
Humberto de Campos, em suas apreciadas “Memórias”, relata no capítulo XXIV desse livro a pedagogia adotada na sala de aula, quando, em 1894, em Parnaiba, ingressara na escola primária, sentindo acender em seu espírito a paixão pelas letras, à semelhança de Jean Jacques Rousseau, que considerava “a causa de todos os seus infortúnios”(cf. 4ª edição, livraria José Olímpio, 1933, págs. 142 e segs.)

O saudoso escritor maranhense guardou na memória o aspecto da escola pública e humilde, “primeira colmeia em que seu espírito fabricou, fora de casa, a sua primeira gota de mel”.

Lembra, num tom patético a figura inesquecível de sua mestra, Marocas Lima, que lhe deixou na alma uma lembrança indelével. Era ela, na expressão do memorialista, um desses piedosos soldados do ensino primário, angélicos, mas inflexíveis combatentes contra a ignorância.

A professora primária – prossegue o festejado autor de “O monstro e outros contos” – “que nos faz digerir a semente do alfabeto ou nos ministra os ensinamentos rudimentares da ciência, é essa ave generosa e magnânima, reveladora da imensidade do mundo. É ela que nos dá, numa alusão metafórica à mãe preta do espírito, “o leite da primeira instrução”.

“Os moços em geral” - afirma o ilustre filho de Miritiba - “são como os pássaros. Emplumada, a ave abandona o ninho que o aqueceu e o bico que o alimentou. E nunca mais, no espaço imenso, reconhece a ave que, quando implume, o agasalhou e o protegeu”.

Quem é que não teve, na infância, sua mestra Marocas, à semelhança daquela obscura professora que tão profundamente marcou o espírito de Humberto de Campos, para quem, na antevéspera de sua morte, em dezembro de 1934, o autor de “Destinos”, ofereceu-lhe, com sua pena, “uma singela grinalda de saudade”!

É hora de homenagear o professor, no próximo dia 15, por motivo desse evento, seja ele do ensino fundamental, médio ou superior, sem olvidar aquela que, estimulada por um ideal, apontou a seus alunos, com paciência beneditina, a luz que emana das letras do alfabeto!


Emeric Lévay – Foi Desembargador Coordenador do Museu do Tribunal de Justiça de São Paulo, Professor de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie - Membro da Academia Paulista de História - do Conselho Estadual de Honrarias e Mérito e Sócio-titular do I.H.G.S.P.


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