Sandra Massud e Rossana Mergulhão foram as expositoras.
A EPM, em parceria com a Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp), promoveu hoje (28) o nono encontro do ciclo de palestras Com a palavra, as juristas. A promotora de Justiça Sandra Lucia Garcia Massud e a juíza Rossana Teresa Curioni Mergulhão foram as expositoras convidadas. A mediação foi feita pela desembargadora Marcia Lourenço Monassi, vice-coordenadora da Comesp, com a participação da juíza Maria Domitila Prado Manssur, coordenadora do ciclo.
Sandra Massud falou sobre o tema “Transtorno do espectro de autismo (TEA) e reflexos jurídicos”. Ela apresentou um panorama sobre a evolução do conhecimento e da concepção em relação à pessoa com deficiência e sobre o autismo. Lembrou que os diagnósticos iniciais sobre autismo foram feitos pelos psiquiatras austríacos Leo Kanner, primeiro a identificar o comportamento autista, e Hans Asperger e que a definição atual tem como referências a 5ª edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, da Associação Norte-americana de Psiquiatria (DSM-5) e a 11ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11).
Em relação à proteção jurídica, destacou a recepção constitucional da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU, de 2006, ratificada pelo Brasil e positivada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), que considera pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas
A expositora recordou a edição da Lei Federal nº 7.853/89, a primeira a definir pessoa com deficiência, regulamentada pelo Decreto nº 3.298/99, que instituiu a Política nacional para a integração da pessoa com deficiência; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96); e a Lei de Proteção aos Direitos das Pessoas com TEA (Lei nº 12.764/12), regulamentada pelo Decreto nº 8.368/14, que considera pessoa com TEA aquela “portadora de síndrome clínica caracterizada por deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação social, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; padrões restritivos e restritivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos”.
Sandra Massud mencionou também os institutos da curatela, interdição e tomada de decisão apoiada, previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência, lembrando que o estatuto revogou o artigo do Código Civil relativo à incapacidade absoluta em relação à pessoa com deficiência mental, não sendo mais possível a interdição total. “Temos muito arcabouço jurídico para cobrar o atendimento necessário para a pessoa com autismo, para que ela possa se qualificar, ter uma vida autônoma, participar em igualdade em todas as áreas da sociedade, não ser discriminada, institucionalizada ou excluída dos meios em que as pessoas convivem e vivem”, frisou.
Por fim, enfatizou a importância da estimulação, por meio do contato com o que a vida normal traz, o ambiente inclusivo da escola, a disponibilização dos tratamentos e apoios necessários, a convivência com a família e com a comunidade e a compreensão da situação vivenciada pela pessoa com TEA e pela sua família. “As pessoas precisam aceitar o outro nas suas dificuldades, nas suas angústias e entendê-las”, concluiu.
Empresa e igualdade de gênero
Na sequência, Rossana Mergulhão falou sobre o tema “Empresa e igualdade de gênero”, que desenvolveu em sua tese de doutorado, com o objetivo de investigar a responsabilidade social das empresas na efetivação da igualdade material de gênero nas relações de trabalho, fundamentada na ordem econômica constitucional brasileira e nas diretrizes internacionais de direitos humanos. “Apesar dos significativos avanços legislativos nacionais e internacionais, as desigualdades de gênero persistem no ambiente laboral sobre diversas formas de segregação, horizontal, vertical, ocupacional, e inclusive, no âmbito pessoal, como uma condicionante matrimonial”, salientou.
Ela ressaltou que a igualdade de gênero no ambiente corporativo, além de sua relevância social, constitui um pilar fundamental para o desenvolvimento sustentável e para a justiça e constitui um dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU (ODS 5). Enfatizou ainda que o ordenamento jurídico brasileiro consagra o princípio da igualdade e proíbe a discriminação de gênero e destacou avanços legislativos para a concretização da igualdade de gênero, como a Lei da Igualdade Salarial (Lei nº 14.611/23) e a Lei nº 14.457/22, que instituiu o programa Emprega + Mulheres.
Entretanto, observou que as normas são insuficientes se não houver um engajamento efetivo do setor empresarial em sua implementação. Ela apontou como problemas principais a sub-representação em cargos de liderança; a segregação ocupacional, com a concentração de mulheres em setores e profissões tradicionalmente femininas, com remuneração inferior e de menor prestígio social; a questão dos vieses inconscientes e estereótipos de gênero, que se manifestam em proporções baseadas em critérios subjetivos, na falta de políticas de flexibilidade e na persistência de assédio moral e sexual; a divisão desigual do trabalho doméstico e de cuidados familiares; a falta de políticas e estruturas de apoio efetivas; a cultura machista; a resistência de organizações e lideranças em reconhecer a urgência e os benefícios da diversidade.
A expositora apresentou sugestões para melhoria da situação atual, como a implementação de ações estratégicas que vão além do cumprimento legal mínimo; práticas de recrutamento que minimizem vieses, como currículos cegos e painéis de entrevistas diversos; criação de programas de desenvolvimento de lideranças específicos para mulheres; investimento em treinamentos contínuos; avaliação de desempenho justa; modelos de trabalho híbridos que permitam a conciliação entre a vida pessoal e profissional; cultura de tolerância zero ao assédio e à discriminação e estabelecimento de programas de mentoria e de patrocínio estratégico.
Rossana Mergulhão destacou os efeitos positivos da igualdade de gênero no setor corporativo, como a possibilidade de diferentes perspectivas, experiências e abordagens para solução de problemas e o incentivo à inovação, além dos benefícios para a imagem das empresas e citou exemplos de aplicação no setor. “A efetividade dos programas de igualdade de gênero reside na combinação de compromisso da liderança, estabelecimento de metas claras, políticas de apoio concretas, combate a vieses e uma cultura organizacional que valorize a diversidade em todas as suas formas”, frisou, ponderando que a igualdade de gênero nas empresas é uma necessidade estratégica e um imperativo legal e econômico. “Como juristas, temos o dever de não apenas interpretar e aplicar a lei, mas de promover a sua efetividade e de advogar por um ambiente de trabalho mais justo e equitativo. A responsabilidade de construir um futuro equitativo é de todos nós”, asseverou, concluindo com frase de Charles Chaplin: “cada segundo é tempo para mudar tudo para sempre”.
MA (texto)