SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Doutrina

Comunicado

Alimentos - Desembargador Ênio Santarelli Zuliani

Desembargador da Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.


1. Introdução: conceito e espécies. 2. Renúncia [artigo 1707, do CC]. 3. Transmissibilidade. 4. Alimentos ao nascituro. 5. Cessação do dever de prestar alimentos por comportamento indigno do alimentado. 6. Alimentos que são pleiteados dos avós. 7. Alimentos e o dever de prestar contas. 8. A compensação é possível? 9.A tutela antecipada aos alimentos provisórios na investigação de paternidade. Referências bibliográficas.



1. Introdução: conceito e espécies.


ADRIANO DE CUPIS afirmou que direito alimentar serve para conservação da vida. A Constituição Federal fez constar do artigo 229: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Soa ilógica a regulamentação jurídica para que, entre parentes ou consortes, seja prestada assistência material aos indigentes incapazes de obterem a autonomia financeira, porque o ideal seria que essa obrigação fosse cumprida espontaneamente, por estímulo da solidariedade e da fraternidade entre os homens. No entanto, por insensibilidade ou sovinice daqueles que são provedores por decisão do destino, a lei se viu obrigada a impor regras, inclusive sancionar o devedor que não paga, com prisão civil [artigo 5º, LXVII, da CF e artigo 733, § 1º, do CPC], a fim de evitar que se concretize a degradação moral da miséria humana. O prestar alimentos, sinal concreto do amor, transforma-se, em milhares de famílias, no salva-vidas disputado na Justiça.

Na linguagem jurídica, há um conceito próprio de alimentos o qual não informa, obviamente, algo comestível que se consome para acalmar a fome e fortalecer o organismo para os momentos seguintes. A expressão alimentos, na literatura forense, consiste num universo de valores que qualificam uma prestação entre credor e devedor, cifrando uma total necessidade de provisão humana, a qual se encaixa no âmbito da possibilidade econômica do prestador [artigo 1694, § 1º, do Código Civil]. Na clássica definição de EDGAR DE MOURA BITTENCOURT , seria “relação que obriga uma pessoa a prestar à outra o necessário para sua manutenção e, quando o credor for menor, também o necessário para sua criação e educação. Tanto pode consistir em pensão pecuniária como em espécie, mediante o fornecimento de hospedagem e sustento”.

A causa da obrigação alimentar está centrada na necessidade do credor. Por isso se diz que os alimentos são classificáveis pela destinação, de modo que, se forem concedidos para que o alimentado mantenha o padrão de vida que desfrutava [civis ou côngruos], o valor deverá ser suficiente para atender às despesas gerais [alimentação, vestuário, saúde, educação e até lazer razoável] e será arbitrado de acordo com o artigo 1694, § 1º, do CC. Ao contrário desses, os alimentos naturais ou necessários são destinados com restrições, notadamente em relação ao comportamento de culpa ou de indignidade e, embora destinados a compor tudo aquilo que for indispensável para a subsistência do alimentado, serão amoedados com parcimônia, para que não ultrapassem o indispensável [artigos 1694, § 2º e 1704, § único, do CC].

Essa distinção é importante para que o juiz possa definir, com critério adequado, o valor da verba que se manda pagar para que o alimentado não pereça pelo infortúnio da rígida penúria que o acomete e que sempre se agrava pela impossibilidade de conseguir, pelo seu esforço e trabalho, a autonomia econômica. Os desafios nesse setor não são poucos e multiplicam-se pelo leviano proceder dos alimentantes ao fazerem a demonstração de sua capacidade patrimonial, dificultando, com as mais mirabolantes estratégias, a descoberta da renda mensal que auferem e que servirá de base de cálculo para o arbitramento. São raros os cenários probatórios indicativos de folga no orçamento dos alimentantes e, na maioria das vezes, os juízes se vêem forçados a repartir misérias entre os pobres, retrato de uma sociedade marcada pela injustiça social e má distribuição de riquezas.

Além de prestar atenção à natureza dos alimentos, compete ao juiz arbitrar o quantum, de acordo com a finalidade ou oportunidade deles. Os alimentos definitivos são aqueles fixados na sentença que resolve um embate sobre a constituição do vínculo obrigacional [no caso em que se define, previamente, a relação de parentesco ou de união estável] ou sobre o valor deles. Portanto, quer tenha o pedido fundamento na Lei 5478/68 [Lei de Alimentos], na ação prevista na Lei 8560/92 [Lei da Investigação de paternidade], como causa as Leis 8971/94 e 9278/96 [união estável], pela Lei 10.741/2003 [Lei do Idoso], pela Lei 11340/2006 [Lei Maria da Penha] ou por fato típico do rito ordinário, o julgador fixará o quantum ajustado e equilibrado diante do binômio do artigo 1694, § 1º, do CC. Essa prestação será permanente enquanto acomodar os interesses das partes, pois, se acontecerem alterações que modifiquem a base que serviu para a mensuração, o valor poderá ser revisto [diminuído ou majorado], conforme deflui do artigo 1699, do CC. Nada obsta, se necessário for, a própria exoneração.

Os alimentos provisionais ou ad litem decorrem do artigo 852, do CPC, e foram mencionados no artigo 1706, do CC. Não se confundem com os alimentos provisórios, previstos no artigo 4º, da Lei 5478/68. Os provisionais são destinados a proporcionar meios de subsistência para que o alimentado se mantenha em regulares condições, enquanto litiga com o alimentante, e são especiais para proteger as mulheres que se separam e que necessitam desse apoio para exercerem seus direitos, tanto que o § único, do artigo 852, do CPC, diz que eles compreendem as despesas do processo [custas e honorários]. Os alimentos provisionais são designados como ad litem porque estão relacionados com a lide principal, disse-o JOÃO BATISTA LOPES , e podem, a qualquer tempo, ser revogados ou modificados [artigo 807, do CPC].

Os alimentos provisionais exigem do juiz redobrada cautela quanto ao arbitramento, porque de sua atuação dependerá o bom termo da difícil empreitada daquele que se prepara para enfrentar alguém que lhe impôs subordinação econômica. Nada impede que o juiz conceda liminar sem ouvir o réu, como facultado pelo artigo 854, do CPC, como não obsta que se designe audiência de justificação. De qualquer modo e pela finalidade dos alimentos provisionais, é de toda conveniência que se imprima urgência para que o necessitado não sucumba diante das incertezas financeiras e até desista de obter a tutela jurisdicional que, em tese, poderia ser obtida. Essa resignação da parte que abandona seus projetos civis, renunciando aos direitos subjetivos, é uma derrota para o sistema de efetividade da jurisdição [artigos 5º, XXXV e 5º, LXXVIII, da Constituição Federal]. Os alimentos provisionais são fixados de acordo com a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante, mas serão deferidos diante dos requisitos das medidas cautelares [artigo 798, do CPC], os conhecidos fumus boni iuris e o periculum in mora.

Os alimentos provisórios são, igualmente, fixados no curso da lide, mas não se destinam a garantir acesso à ordem jurídica justa, como os provisionais. Somente se arbitram alimentos provisórios com prova pré-constituída do parentesco, casamento ou companheirismo, esclareceu CARLOS ROBERTO GONÇALVES . Os alimentos são fixados initio litis [artigo 4º, da Lei 5478/68] e admite-se que possam ser “concedidos ex officio pelo magistrado, independente de pedido expresso do autor”, afirmam CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD . Isso se faculta desde que o juiz sinta que exista o requisito da necessidade de alimentos para já, pois, se o alimentado declarar deles prescindir momentaneamente, não cabe ao juiz concedê-los, deferindo prestação não pleiteada. A oportunidade de fixar desde logo, como consta do artigo 4º, citado, é providencial para suprir falhas técnicas na preparação de libelos, quando a parte com premente necessidade, se esquece de requerer os provisórios.

Os alimentos provisórios e os alimentos provisionais são temporários e retroagem à data da citação do réu, como previsto no artigo 13, § 2º, da Lei 5474/68. Permite-se a execução deles no curso do processo, com possibilidade de prisão civil. Alerta: o prazo máximo de prisão para alimentos definitivos e provisórios é de 60 dias, segundo o artigo 19, da Lei 5478/68, enquanto, para os provisionais, o prazo será de até 90 dias [§ 1º, do artigo 733, do CPC]. Os eminentes FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ FERNANDO SIMÃO consideram acertado padronizar o prazo, para todas as hipóteses, em 60 dias, o que é jurídica e moralmente aceitável, evitando-se tratamentos díspares [contra os predicamentos da dignidade humana e da liberdade] para situações iguais.

Cumpre anotar, como observação final, que a Lei Maria da Penha, no artigo 22, V, contribuiu para a sistematização de igualdade entre alimentos provisórios e provisionais, dispondo serem eles cabíveis, indistintamente, como medidas de urgência para proteger mulheres e crianças vítimas de violência doméstica.




2. Renúncia aos alimentos [artigo 1707, do CC].

Uma vez que a prestação de alimentos constituiu garantia da existência do ser humano em sua passagem terrena, fica claro que, de sua funcionalidade, deriva a sua qualificação jurídica como direito de personalidade . Nesse contexto e por se tratar de direito irrenunciável, como está previsto no artigo 11, do Código Civil, é forçoso admitir que o artigo 1707, do CC, nada mais fez do que regulamentar o que é óbvio: “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”. Se os alimentos são essenciais, são irrenunciáveis.

O estatuto civil entrou em vigor no ano de 2003, para substituir codificação que consagrou, pelo seu tempo, um princípio de direito, isto é, o de que a renúncia referida no artigo 404, do CC, de 1916, aplicava-se aos alimentos decorrentes do parentesco [jus sanguinis] e não entre cônjuges e companheiros. O colendo STJ, instalado em 1988, não recepcionou, nos seus julgados, a Súmula 379, do STF, cujo texto é o seguinte: “no acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais”, conforme se verifica do Resp. 701902 SP, DJ de 3.10.2005, Ministra Nancy Andrighi: “A cláusula de renúncia a alimentos, constante em acordo de separação devidamente homologado, é válida e eficaz, não permitindo ao ex-cônjuge que renunciou, a pretensão de ser pensionado ou voltar a pleitear o encargo”.

O artigo 1707, do CC, de 2002, reacendeu uma controvérsia pacificada pela jurisprudência e apimentou os debates. CARLOS ROBERTO GONÇALVES considerou o sentido amplo do artigo 1707 um retrocesso “explicável pelo fato de o projeto de reforma do estatuto civil ter tramitado por longo tempo no Congresso Nacional” . SILVIO VENOSA foi enfático: “Parece-nos despropositado que extinto um casamento há muitos anos, décadas, modificam-se com o tempo totalmente as situações de fato, bem como os corações e as mentes e o cônjuge que renunciou a alimentos ressurja como uma fênix-fantasma, para pleitear novamente alimentos de quem se separado em passado muito remoto” .

É bom dizer que nada mudou nos alimentos que são prestados pelo vínculo do parentesco, pois quanto a esses, a irrenunciabilidade se mantém por razões de ordem pública. Apenas se ressalva a oportunidade de o credor dispensar a exigibilidade de prestações vencidas, inclusive por remissão, o que é muito comum para fins de transação que coloca fim ao processo de execução de alimentos. O que se discute, contudo, é a suposta ineficácia de cláusula de renúncia em separação e divórcio e ou em acordos que dissolvem a união estável. Os alimentos entre cônjuges e companheiros são concedidos e justificam-se pelo dever de mútua assistência, previsto no artigo 1566, III, e 1724, do CC, que se transformará em fenômeno significativo para o direito a ser observado nos litígios subseqüentes ao término da coabitação, em virtude da dependência econômica construída na fase fértil do relacionamento.

Não se discute o direito de cônjuge ou companheiro com dependência econômica, de receberem alimentos. Os maridos e companheiros que pautam suas vidas conjugais monopolizando para si a responsabilidade total do custo familiar, submetendo as suas mulheres a um regime de dedicação exclusiva ao governo do lar [às vezes até obrigando-as a abdicar das carreiras iniciadas quando eram solteiras], será responsável pela preservação do status social das mulheres e companheiras na fase seguinte à da separação, se elas não tiverem culpa pela separação [caso sejam culpadas, terão direito a uma assistência mínima por razões de dignidade humana]. Esse dever se prolonga mesmo em caso de divórcio, se a esposa provar, por questões de saúde ou em razão da acentuada idade cronológica e também por justificadas dificuldades de ingresso no mercado de trabalho, o seu impedimento de obter a liberdade financeira. Os alimentos, nessas circunstâncias, não são um anacronismo, mas, sim, cláusula de segurança para a preservação da sobrevida com dignidade.

O problema existe quando não há ou não nasceu essa dependência pela vida em comum. Como os cônjuges e companheiros são pessoas maiores e capazes, eles são senhores absolutos da oportunidade e conveniência da declaração de ruptura total dos laços de uma fracassada aliança, seja pelo casamento, seja pela união estável. Considerando que esse acordo de vontades é, quase sempre, homologado por sentença judicial, devem se considerar os efeitos protegidos pela coisa julgada [artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal]. Portanto, se os cônjuges ou companheiros estabelecem normas no negócio que soleniza o fim da coabitação, anunciando oficialmente que são desnecessários os alimentos, é porque não existia dependência econômica entre eles. O não vínculo de índole patrimonial é a causa da cláusula de renúncia ou de dispensa dos alimentos e a sua importância é instantânea [se encerra aí], ou seja, não ressurge em fase posterior. Mesmo que os cônjuges ou companheiros, depois de separados ou divorciados, tenham perdido a condição de sustento próprio, seja por desastres financeiros, seja por infortúnios pessoais, o ex-cônjuge ou ex-companheiro não está relacionado ao fato subseqüente, sendo antijurídico retroagir a necessidade para se restabelecer uma dependência econômica sem nexo com a atualidade.

Portanto, se os interessados declaram que não existe dever de mútua assistência quando finalizam a união, a sentença posterior do juiz, deferindo alimentos, ainda que com base no artigo 1707, do CC, não tem o efeito de restabelecer, mas, sim, o de criar uma situação irreal do casamento encerrado, o que é inadmissível em termos de validade de negócio jurídico [artigo 166, II, do CC]. Se o casamento terminou sem assistencialismo mútuo, não pode a sentença de alimentos determinar que se cumpra o dever de recíproca assistência, a qual não vigorava quando o casamento valia. Resulta que a cláusula de renúncia ou de dispensa, cujo significado é igual [inclusive a expressão “abrir mão”, de uso corrente, possui a força equivalente à da renúncia], é peremptória quando assentada nas separações, nos divórcios e nos acordos de fim de união estável, sendo inaplicável o artigo 1707, do CC, para esse fim, porque restabelece um dever de mútua assistência inexistente.

Certamente não faltará opositor invocando a rigidez da lei para desabonar o que aqui se escreveu. Realmente, o artigo 1707, do CC, afirma que os alimentos são irrenunciáveis. Ocorre que, mesmo quando os alimentos são concedidos entre pai e filho, se ficar demonstrada a inexistência de vínculo de parentesco, cessa a obrigação do alimentante, porque ninguém é obrigado, por lei, a sustentar filho de outrem. No casamento ou na união estável, o princípio vale também: a declaração de não existir dever de mútua assistência entre cônjuges e companheiros possui o mesmo significado que o de falta de parentesco entre pai e filho. Não são mais devidos os alimentos e assim se julga na Espanha, consoante informa JOSÉ PUIG BRUTAU , quando comenta sentença de 25.11.1985, com referência ao artigo 68, do Código Civil e que impõe o dever de fidelidade e do socorro mútuo.

Esse modo de pensar não permite que se faça distinção entre separação e divórcio, inclusive porque, para as uniões estáveis, não existe essa fragmentação. A teoria da impossibilidade de criar dever que não existe em casamento encerrado não diferencia a modalidade do negócio declaratório, de forma que se a cláusula de renúncia ou dispensa for estabelecida na separação, a sua conseqüência não muda e será interpretada tal qual como constou do divórcio. Confesso ter refletido, antes de concluir esse raciocínio, sobre uma passagem da obra de ANTUNES VARELA quanto ao valor do dever de mútua assistência, especialmente quando o jurista português afirma considerar a lei o mutuum adjutorium, nascido com a celebração do matrimônio, não necessariamente afetado pela separação. Não estou convicto de que, em pleno século XXI, continua valendo um velho princípio, notadamente para recriar um dever de mútua assistência que o casal, por mútuo consenso, declarou inexistir. Lembre-se que a separação é uma simples passagem, quase sem volta, para o divórcio [artigo 35, da Lei 6515/77 e 1580, do CC], providência para a qual se permite contestação restritiva ou de pouquíssimas matérias sem vínculo com o dever de mútua assistência.




3. Transmissibilidade.

A transmissibilidade da obrigação de alimentos aos herdeiros do devedor sempre foi um tabu jurídico. No CC, de 1916, por conta do artigo 402, do CC, a idéia era de intransmissibilidade . CLÓVIS foi o responsável por uma abertura ao rígido conceito quando admitiu a cobrança das parcelas atrasadas, reconhecendo a dívida, nesse caso, passa a ser comum e da responsabilidade dos sucessores do finado. Agora será preciso analisar o artigo 1700, do CC, com cautela e evitar que interpretações restritivas [como a de que se transmite apenas a dívida e não a própria obrigação] possam impedir que a regra se aplique nas hipóteses em que a transmissibilidade constitui o único meio de o alimentado obter garantia de sobrevivência digna.

Está escrito no artigo 1700, do CC: “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do artigo 1694”. Os alimentos são indispensáveis para a sobrevivência do alimentado, e não teria sentido, diante da morte do alimentante, considerar extinta a exigibilidade das prestações por suposta homenagem ao sentido personalíssimo da obrigação. O credor de alimentos terá direito de exigir, até a data do óbito, dos herdeiros e no limite da herança [artigo 1997, do CC], o quantum não satisfeito pelo finado, sendo que, quanto a esse enunciado, não há questionamentos contemporâneos. Assim, também não há o que se controverter quando o alimentante não deixa herança, porque, se não existem bens que se transmitem aos herdeiros, não cabe transmitir a eles as dívidas do de cujus. Nesse caso, lembra EUCLIDES DE OLIVEIRA : “caberá ao pensionado voltar-se contra aqueles que, na linha do dever assistencial, estejam legitimados a responder pela obrigação, em razão dos laços de parentesco próximo, de conformidade com o disposto no art. 1694, do Código Civil”.

A polêmica existe com a pretensão de o credor de alimentos, igualmente herdeiro, reclamar alimentos pela transmissibilidade operada pelo artigo 1700, do CC. A dívida que se transmite é a dívida será satisfeita se a herança permitir, o que autoriza situar o tempo em que se opera a transmissibilidade, enquanto não se concluir o inventário, que se realiza por processo judicial ou por escritura pública, nessa última hipótese se todos os herdeiros forem maiores e capazes [artigo 982, do CPC]. Portanto, enquanto não for ultimada a partilha, deverá o Espólio do alimentante cumprir a obrigação do finado . Cabe indagar: homologada a partilha, os herdeiros, cada qual com seus quinhões próprios, estão obrigados a continuar pagando alimentos ao credor do falecido?

Sim, em algumas situações, e não, em outras, essa é a resposta. Quando o credor de alimentos não for herdeiro [hipótese de ex-esposa ou ex-companheira, sem direito de participação na herança e que nos remete ao artigo 23, da Lei 6515/77], os herdeiros que receberam quinhões serão responsáveis pela dívida do finado [prestações vincendas], o que se fará com plena oportunidade de se invocar o artigo 1699, do CC [revisão ou extinção do dever por modificações do quadro]. Os herdeiros que assumem dívidas transmitidas são, para todos os efeitos legais, comparados aos demais devedores de alimentos [artigo 1694, do CC], de forma que lhes é lícito deduzir que os bens herdados não lhe trouxeram renda alguma. Assim, se ficar provado que o sucessor do alimentante empobreceu no aspecto “rendimentos”, apesar da herança recebida, poderá o juiz isentá-lo ou reduzir a carga transmitida, o que não é difícil de ocorrer quando os bens herdados não produzem renda, mas, sim, despesas. Também não se veda aos herdeiros o direito de postularem exoneração em caso de o alimentando se casar ou passar a viver em união estável [artigo 1708, caput, do CC]. Idêntico direito cabe aos herdeiros se o alimentado praticar atos indignos [lesão à honra e ao nome] quanto à memória do morto [devedor de alimentos], nos termos dos artigos 12 e 20 e parágrafo único, do artigo 1708, do CC.

O ponto divergente do artigo 1700, do CC, no entanto, está situado na pretensão do credor do alimentante morto e que é, igualmente, herdeiro. Com o direito de suceder assegurado, o herdeiro credor de alimentos poderá exigir que o Espólio lhe pague a verba que lhe cabe, respondendo à herança [universo indivisível, conforme artigo 1791, § único, do CC]. Contudo o valor desse encargo deverá ser considerado na partilha, de modo a fazer com que ele, credor que exigiu do Espólio os pagamentos, receba uma quota reduzida em relação aos demais herdeiros. Não é justo que o credor de alimentos, sendo herdeiro, receba do Espólio os seus créditos durante o inventário e, ainda, receba quinhões iguais, porque estaria sendo favorecido em detrimento do direito constitucional à herança, previsto no artigo 5º, XXX, da Constituição Federal. São esclarecedoras as palavras de FÁBIO ULHOA COELHO sobre esse ponto:
“Considere que o falecido deixou aos dois filhos, seus únicos herdeiros, porções iguais de seu patrimônio. Enquanto vivia, pagava alimentos a um deles somente, por ser menor de idade. Com a morte do alimentante, extingue-se a obrigação alimentar, assim como se extinguiria se morresse o alimentado. Trata-se de obrigação personalíssima, lembre-se. Para que o herdeiro menor não sofra nenhum prejuízo, o espólio continuará pagando-lhe a prestação correspondente à pensão alimentícia. Mas, na hora da partilha, os valores pagos devem ser debitados do quinhão atribuível a esse herdeiro. Se não for feita a compensação, desrespeita-se o direito constitucional titulado pelo irmão maior, que, então, receberia porção inferior da herança”.

Cabe analisar uma hipótese suscitada por SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA , relacionada com a persistente indigência do credor de alimentos por não ter a parte recebida o libertado da pobreza ou da miséria. Cumpre admitir que, nessa situação, por razões de supremacia do direito aos alimentos, cabe sacrificar o direito de herança dos demais herdeiros, que, diante dessa realidade, continuam responsáveis pela pensão alimentícia até que se esgotem os valores da herança. O fato de ter sido realizada partilha compensatória não elide os herdeiros de atenderem à necessidade do credor do de cujus, ainda que seja, igualmente, herdeiro. Esgotadas as forças da herança, os herdeiros já não responderiam diante do artigo 1700, do CC, mas, sim, se for permitido, pelo artigo 1694, do CC, o que obriga outra relação processual [direito material diverso].




4. Alimentos ao nascituro.

O presente capítulo foi aberto em virtude de uma decisão denegatória de alimentos provisionais pleiteados em favor de nascituro, por não ter sido demonstrado o vínculo de paternidade [agravo não conhecido por deficiente formação da peça recursal – AgRg. no Ag. 256812 RJ, DJ de 28.2.2000]. Sobre o direito do nascituro aos alimentos, vale conferir o que dizia JOÃO CLAUDINO DE OLIVEIRA E CRUZ :

“A lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 4º, do CC, de 1916). E o maior desses direitos é, sem dúvida, o de ser alimentado e tratado para poder viver. Assim, pode a mãe pedir alimentos para o nascituro, hipótese em que, na fixação, o juiz levará em conta as despesas que se fizerem necessárias para o bom desenvolvimento da gravidez, até seu termo final, incluindo despesas médicas e medicamentos”.
O artigo 2º, do CC , coloca a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, o que elimina qualquer dúvida que possa surgir sobre o direito subjetivo de a mãe pleitear, em nome do embrião que se desenvolve, a prestação necessária para que o projeto de vida se desenvolva com segurança. A ilustre Professora TÂNIA DA SILVA PEREIRA reforça o enunciado, lembrando o artigo 8º, do ECA [Lei 8069/90], que obriga atendimento à gestante, pelo SUS, para que tenha acompanhamento pré-natal, o que, em linhas gerais, representa proteção ao nascituro.

Apesar dessa certeza, é possível que o direito pereça até o nascimento, por questões de técnica do processo civil e que retardam a tutela. Não convém ignorar que o nascituro, em termos biológicos, é um ser humano, conforme anota MENEZES CORDEIRO : “Antes de nascer e após a conformação dos diversos órgãos, ele tem movimentos, ouve, vê, sente, dorme e sonha: apenas os pulmões não funcionam, sendo a oxigenação do sangue assegurada por um órgão cuja confecção laboratorial tem levantado problemas, até hoje insolúveis: a placenta, que retira os necessários elementos do útero materno”. O juiz deve ter a sensibilidade de atuar de acordo com as circunstâncias e com a urgência, lembrando o que MENEZES CORDEIRO ressaltou: “o grande óbice do nascituro, mercê da Providência ou da natureza que fez, do homem, um mamífero placentário, é a sua dependência do organismo da mãe, durante os nove meses de gestação normal”.

As decisões não devem demorar mais tempo do que o período gestacional. Quem age pelos nascituros são os seus pais, detentores do poder de representação [artigo 1634, V, do CC]. Normalmente e devido ao estado de gravidez, a mãe é que agirá pelo nascituro e, nesse instante, será oportuno aplicar a regra do artigo 1597, do CC, para se ter como presumida a paternidade do marido, se ela for alegada pela gestante casada. A questão muda de figura quando a mulher carrega no ventre filho de pai que não deseja assumir a paternidade e que se nega a prestar alimentos, pois, evidentemente, será preciso algo para que o juiz possa tutelar o nascituro. O ideal é que, com celeridade, se obtenha certeza do vínculo biológico por meio do DNA, o que é possível cientificamente, intimando-se o suposto pai para que compareça ao exame, sob pena de ser admitida a presunção do artigo 232, do CC: “a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretenda obter com o exame”.

No entanto, nem sempre será viável esperar que se agende, com brevidade, o exame, notadamente nos litígios protagonizados por pessoas pobres e que dependem de laboratórios do Estado para conclusão da perícia, nos termos da Lei 1060/50 [gratuidade judiciária]. Caso se optar por essa providência, corre-se sério risco de a criança nascer antes do resultado, o que é lastimável para efeito de efetividade da jurisdição. O processo deve ser eficiente e rápido para se concluir antes que a gestação termine, pois os alimentos são indispensáveis para que a própria mãe se beneficie com as vantagens e, com isso, ganhe em qualidade gestacional. Recomenda-se criterioso exame do requisito fumus boni iuris [probabilidade da paternidade], sem a severidade daqueles juízes que esperam prova conclusiva da paternidade, devido à certeza do periculum in mora [artigo 798, do CPC], salientando que o arbitramento do artigo 1694, § 1º, do CC, merece consideração diante da onerosidade derivada da situação desigual do nascituro em relação ao recém-nascido. Caberá ao réu, diante do contexto, realizar prova, por sua conta, dos fatos extintivos do direito do autor [artigo 333, II, do CPC] e, enquanto isso não se verifica, é jurídico conceder pensão ao nascituro. Autoriza-se, inclusive, admitir a presunção de paternidade com base em correspondência eletrônica [e-mail], por ser natural que, nesses diálogos francos ou possessivos, se assumam relações que respondem pela concepção.

É preferível correr o risco de responsabilizar o sujeito que prova, no futuro, não ser o pai [ainda que com sacrifício de valores diante da irrepetibilidade], a manter o nascituro desprotegido por falhas probatórias verificadas na instrução do pedido. O que ocorreu no julgado que se mencionou no intróito do presente capítulo sobre os alimentos negados por falta de prova do vínculo de parentesco, não é, necessariamente, a solução desejada aos nascituros que sofrem abandono já na fase embrionária. Se a mãe goza as vantagens daí advindas, anota EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE , isso se dá “pelo fato do concebido ainda estar ligado a ela fisicamente. Protege-se o nascituro através da existência da mãe”.

A Lei 11.804, de 5.11.2008, disciplinou os alimentos gravídicos, admitindo [art. 6º] que o juiz, convencido dos indícios da paternidade, poderá fixar a verba necessária para atender as necessidades fundamentais da gestante, inclusive assistência médica e psicológica, determinando sua conversibilidade quando do nascimento [§ único, do art. 6º]. Poderá ser afirmado que a família se fortalece contra o abandono precoce e, ainda que não seja alentador, vale a pena apostar que o futuro cidadão protegido pela nova lei, sentindo que o Direito, ao contrário do pai biológico que resistiu ao dever de voluntariamente prestar alimentos, prestou-lhe solidariedade em fase difícil, certamente terá razões para aprimorar sua civilidade.




5. Cessação do dever de prestar alimentos por comportamento indigno do alimentado.

Os alimentos são prestados para subsistência do alimentado, o que pressupõe que serão devidos enquanto o credor a eles fizer jus, para sua sobrevivência. Os filhos são preparados pelos pais para se tornarem adultos responsáveis e, por isso, pela maioridade natural ou pela emancipação, extingue-se o dever de prestar alimentos, porque extinto está o poder familiar [artigos 5º, 1634, I e II e 1635, II e III, do CC], salvo se forem incapazes para o trabalho ou se matriculados em cursos profissionalizantes ou universitários, conforme remansosa jurisprudência editada em favor da conclusão desses projetos sociais dos filhos maiores e ainda dependentes da ajuda financeira dos pais. No caso de alimentos decorrentes de casamento ou de união estável, o Código estabelece, que se o credor casa ou passa a viver em união estável, cessa o dever de prestar alimentos [1708, caput]. O que se propõe analisar, contudo, é o que dispõe o § único, do artigo 1708: “com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor”.

Trata-se de uma inovação ou uma cláusula genérica de perda do direito a alimentos, como anota REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA . Porém esse cânone não era desconhecido no sistema jurídico, tanto que LAFAYETTE e LOURENÇO TRIGO LOUREIRO admitiam que a obrigação de prestar alimentos cessava “se o filho cometeu alguma ingratidão pela qual possa ser deserdado”. Segundo TEIXEIRA DE FREITAS, esse preceito derivou do Assento de 9 de abril de 1772, § 2º e Lei de 6.10.1784, sendo considerado como penalidade por COELHO DA ROCHA. LOBÃO afirmava que se os pais podem deserdar o filho ingrato “podem também os pais privá-los dos alimentos”.

O artigo 152, do Código Civil da Espanha, estabelece que cessa a obrigação de dar alimentos quando: “4º el alimentista, sea o no herdero forzoso, hubiese cometido alguna falta de las que dan lugar a desheredación”. Idêntica regra consta do artigo 373, do Código Civil da Argentina, sendo que, por força do artigo 440, do Código Civil da Itália, que se refere “la condotta disordinata o riprovevole dell´alimentato”, a doutrina considera que o alimentado perde o direito de receber alimentos por ter cometido algum delito contra a moralidade ou aos bons costumes, como previstos em tipos do Código Penal.

Os alimentos são fornecidos para que o alimentando obtenha subsídios materiais para conservar a sua vida com dignidade [artigo 1º, III, da CF] e, embora possua esse caráter altruísta quando se analisa a finalidade em relação ao destinatário, a obrigação não perde o seu caráter oneroso em relação ao provedor. As posições antagônicas de pessoas que seriam próximas ou se interagiram no passado, por conta de parentesco ou de relacionamentos, e que se vinculam por ações e execuções judiciais, criam um regime de deveres recíprocos, jurídicos e morais. O alimentante submete-se à prisão civil, se não justificar o inadimplemento, e não poderia sofrer essa incursão pessoal e patrimonial se não existisse uma causa justa para todo esse empenho.

Os filhos menores são titulares de um direito quase absoluto, devido à natural impossibilidade de se auto-sustentarem. A própria Constituição Federal admite, que a partir de 14 anos, o menor somente poderá exercer alguma atividade como aprendiz, sendo vedada a contratação antes de dezesseis, sendo proibido o trabalho noturno ou perigoso para menores de dezoito [artigo 7º, XXXIII]. Sobre atos de ingratidão pautados por violência contra o pai, será mister analisar o fator discernimento, sabido que, antes do dezoito anos, os filhos são imaturos e irresponsáveis, o que não impede, diante da gravidade do fato, a exoneração ou redução da verba alimentar, provando-se que o desrespeito, a repulsa e a rejeição ao pai não é ato isolado, mas, sim, usual, constante e evolutivo. Em princípio, portanto, é praticamente impossível a exoneração por atitudes hostis ou de revolta dos filhos adolescentes, sendo de rigor que se cumpram os deveres da paternidade, enquanto mantido o poder familiar.

A indignidade, como fator de redução do quantum ou cessação do dever, ganha vulto nos alimentos prestados entre cônjuges e companheiros, quando esses não assumem novos e oficiais relacionamentos [aí se aplica o caput do artigo 1708, do CC, para exoneração, em caso de casamento ou de união]. Os filhos maiores são titulares de expectativas de prolongamento da pensão [até 24 anos de idade ou até para concluírem cursos universitários e profissionalizantes], sendo que remeto o leitor para os comentários que elaborei sobre os motivos legais para extinção dessa obrigação excepcional, pelo desmerecimento dos filhos com comportamento desidioso ou negligente nos estudos. Convém lembrar que a Súmula 358, do STJ, estabeleceu: “O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos”.

A situação prevista no § único, do artigo 1708, do CC, é excepcional. Embora a indignidade possa, por analogia, ter como hipóteses paradigmáticas os atentados à vida e as injúrias graves que justificam revogar doações [art. 557, do CC] e casos de exclusão da herança mencionados no art. 1814, do CC, é de se ter como correta a posição doutrinária que amplia o campo de incidência da regra para outros eventos que são próprios de infrações do dever da boa-fé objetiva, ínsito nas obrigações das partes, nas fases posteriores ao negócio celebrado, como defendido por FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ FERNANDO SIMÃO :

“Desse modo, acreditamos que o art. 1708, parágrafo único, está a apresentar uma espécie de responsabilidade pós-negocial casamentária/convivencial ou pós-contratual – para aqueles que defendem a tese pela qual o casamento e a união estável são contratos -, decorrente da boa-fé que também é exigida em todas as fases do casamento, negócio jurídico por excelência. Já no caso de união estável podemos denominar a existência de responsabilidade pós-negocial convivencial”.

Acrescento que, examinando o artigo 422, do CC, que emoldura a boa-fé objetiva, caberia invocar, igualmente, a função social do contrato [artigo 421, do CC] e o próprio abuso de direito contido no artigo 187, do CC, porque são mecanismos que o Direito concede para que não se ultrapassem os limites da razoabilidade no instante em que se exige satisfação de um dever jurídico ou moral. O comportamento indigno do credor de alimentos diante da conduta do devedor que o abastece com recursos financeiros agride o senso ético e a moralidade social, com repercussão perniciosa no desenvolvimento da sociedade que se sustenta, observando padrões rígidos de conduta, apesar de homenagear a fraternidade e a solidariedade.

Determinadas práticas, como se entregar à delinqüência ou à prostituição, conforme anotado por SILVIO VENOSA , ou quando manifestar “a ingratidão por gestos, falas ou condutas”, na expressão de FÁBIO ULHOA COELHO , abrem a possibilidade de o alimentante pleitear a exoneração com base no parágrafo único, do artigo 1708, do CC, aproveitando de provas emprestadas [em processos criminais, civis ou procedimento administrativo] ou produzindo-as na ação adequada de exoneração, lembrando, com base no artigo 333, I, do CPC, a imprescindibilidade da “comprovação de um dos fatos arrolados; mera suspeita não é o bastante”, lembrou MARIA HELENA DINIZ .

Convém chamar a atenção para reclamações que partem, na maioria das vezes, do ex-cônjuge ou ex-companheiro que presta alimentos para ex-mulheres, sobre o modo com que a alimentada se comporta diante da expectativa de viver novos relacionamentos amorosos, porque, não raro são denunciados abusos de um estilo desenfreado, com imensa rotatividade de parceiros e coisas do gênero. Não obstante se possa até compreender a insatisfação dos homens que estão fora do ângulo sexual ou amoroso das mulheres que se servem dos alimentos que eles concedem e que, por certo, bloqueiam ou restringem prerrogativas próprias e dos novos membros das famílias que constituem, nem sempre haverá motivo jurídico para a exoneração, exatamente porque é natural que a mulher livre se relacione e se divirta, o que inclui o exercício da sexualidade, coisa natural pelo fluxo das funções orgânicas compatíveis. O colendo STJ emitiu pronunciamento nesse sentido, anotando que “os ex-cônjuges não estão impedidos de estabelecer novas relações e buscar, em novos parceiros, afinidades e sentimentos capazes de possibilitar-lhe um futuro convívio afetivo e feliz” [Resp. 111.476 MG, DJ, de 10.5.1999]. Isso, evidentemente, não constitui uma licença absoluta para afrontar o alimentante, pois se a sua vida sexual for de tal maneira absurda que caracterize um comportamento voltado “deliberadamente a destruí-lo, a enfraquecê-lo de alguma forma, a inviabilizar sua felicidade”, poderá ser aplicado a sanção do procedimento indigno, segundo a ilustre Professora GISELDA MARIA FERNANDES NOVAES HIRONAKA .

Cumpre registrar, ainda na linha da investigação sobre a conduta amorosa ou sexual das mulheres que recebem alimentos, não ter o STJ considerado indigno, para fins de exoneração do dever alimentar, o fato de a ex-esposa manter relacionamento com terceiro, concebendo um filho dessa união [Resp. 21.697-0 SP, DJ de 27.9.1993, Ministro Sálvio de Figueiredo e Resp. 287.571 SP, DJ 25.03.2002, Ministro Aldir Passarinho Júnior]. É de ter como ponderáveis as decisões em virtude das circunstanciais da concepção, sabido que uma única oportunidade de congresso carnal, sem os contraceptivos, poderá resultar na gravidez não projetada em encontros esporádicos ou sem os rigores da coabitação. A concepção não prova vida desregrada da mulher ou assunção de compromisso oficioso de união com outro homem. O caso concreto define a melhor sentença.

O final do presente capítulo foi reservado para explorar recente julgado da Quarta Câmara de Direito Privado [AgIn. 566.619-4/8, j. em 12.6.2008, relator Desembargador Ênio Santarelli Zuliani]: “Exoneração que o pai postula devido a descobrir que o alimentado espalha, em comunidades de relacionamentos da internet – orkut -, mensagens com conteúdos suficientes para justificar a ruptura de relacionamento civilizado e que seriam, em tese, classificáveis como atos indignos – “meu pai não paga minha pensão; eu ODEIO meu pai e meu pai é UM FILHO DA PUTA. Decisão que determina o depósito das prestações em conta judicial até encerramento do litígio. Razoabilidade. Não provimento” [in Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, MAGISTER & IBDFAM, n. 5, p. 154].

O caso é ilustrativo para chamar a atenção sobre a influência da rede de computadores e os direitos de personalidade. A internet é um meio de comunicação penetrante e mais devastador para efeito de diminuir sentimentos por ofensa à honra e à reputação, superando, nesse aspecto, a concorrência de jornais e revistas impressas e que circulam nos postos de revenda ou até gratuitamente, porque o acesso à internet é maior pela facilidade provocada pelos interesses conexos [trabalho, estudo, entretenimento e até devassidão ou ócio]. Resulta que serão recorrentes litígios fundados nas inserções de filhos e ex-cônjuges ou ex-companheiros, as quais serão pinçadas pelos alimentantes para fundamento de ações de cessação do dever de alimentos por ingratidão, por ser esse sistema de comunicação parte integrante do cotidiano das pessoas, que o acessam como se estivessem usando uma linha telefônica com escuta gravada. Não há, portanto, sigilo e a ampla publicidade que se tem autoriza afirmar que exegese da ingratidão não poderá ser restritiva, como sugere a doutrina para hipóteses não contempladas como suscetíveis de deserdação.

O juiz do tempo de modernidade, em que o direito de privacidade praticamente não existe, pelo desrespeito, deverá ter critério na análise do fato que lhe cumpre julgar como causa do § único, do artigo 1708, do CC, confiando-se em que, com a sensibilidade permitida pelas regras de experiência [artigo 335, do CPC], saiba distinguir o desabafo venial por ser fruto de um instante de cólera e a ofensa imperdoável, ainda que emitida em momento de pressão emocional. A ingratidão que se comete na internet poderá se transformar no fato que justifica a ruptura definitiva entre pais e filhos, de acordo com a sua gravidade, ou constituir um ponto de reflexão para mudanças de atitudes e comportamentos, valendo advertir que, ainda que o juiz considere provada a ingratidão, nada impede que destine ao alimentado mal agradecido um mínimo alimentar que lhe proporcione sobrevida digna [§ 2º, do artigo 1694, do CC].

Reconhece-se a dificuldade de encontrar um equilíbrio entre os litigantes desgastados pela beligerante disputa por alimentos, e isso será mais desafiador diante de situações relacionadas aos alimentos prestados para que filhos maiores completem seus cursos profissionalizantes ou universitários, porque, nessas situações, a obrigação a cargo do pai se equipara a uma bolsa de estudos conferida exclusivamente a estudantes destacados ou que justifiquem, pela aplicação e disciplina, o auxílio concedido. Parece irremissível a ofensa perpetrada pelo filho que recebe do pai essa pensão especialíssima, embora não se proíba que o juiz leve em conta subseqüente conduta de arrependimento sincero do alimentado, lembrando que essa possibilidade foi aventada pela doutrina anterior ao CC, de 1916, como consta do seguinte trecho da obra de MARTINHO GARCEZ :

“Cessa igualmente a obrigação de alimentos, quando a necessidade destes resulta de procedimento repreensível do alimentado, e este, emendando-se, os pode tornar desnecessários. Mas, se a emenda do alimentado já não pode fazer com que ele deixe de carecer dos alimentos, o ato repreensível dele será tido em consideração só para o efeito de se lhe arbitrarem menores, ou de se lhe reduzirem os já arbitrados”.




6. Alimentos que são pleiteados dos avós.

EDGARD DE MOURA BITTENCOURT afirmou que a “afeição dos avós pelos netos é a última etapa das paixões puras do homem. É a maior delícia de viver a velhice”. Embora a frase exprima sentimento sincero daqueles que convivem com os netos em clima de normalidade, é absolutamente certo viverem os integrantes da terceira idade uma ansiedade diante das vertentes das ações de alimentos promovidas pelos netos contra os avós, em virtude do disposto no artigo 1696, do CC: “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau uns em falta de outros”. Também é digno de ser lembrado o que consta do artigo 1698: “se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”.

Motivos para preocupação existem e são fortes. Diversos fenômenos sociais perturbam o ciclo natural da hierarquização familiar e não são raras as gravidezes precoces, um acontecimento que quase sempre está associado ao desajuste financeiro do pai em relação aos deveres de sustento do filho. A dura realidade das jovens mães e seus pais diante do volume das despesas decorrentes do nascimento não programado do neto, não deixa outra opção senão a de litigar contra os avós paternos [principalmente esses], dada a notória incapacidade de o pai responder pelo encargo que é, originariamente, seu. Mesmo fora desse quadro, os avós [maternos e paternos] estão sendo convocados para complementar o valor das prestações que os pais concedem aos filhos, exatamente porque a insignificância delas se equipara à própria falta de alimentos. E tudo isso acontece quando os avós experimentam agruras e vicissitudes próprias dos efeitos implacáveis do tempo, colocando-os em dificuldades no cumprimento de itens fundamentais da preservação da saúde e ou sacrificando merecidas expectativas do lazer com a paz conquistada pelo transcurso de árdua vida de trabalho.

Certas fatalidades, como a morte prematura do filho adulto, não deixam rota de fuga para os avós do neto órfão. O destino reserva e impõe a responsabilidade, como ocorreu no julgamento do Resp. 821402 MG, DJ de 8.4.2008, Ministro Fernando Gonçalves, declarando o avô paterno devedor da prestação de alimentos [30% de seus proventos de aposentadoria] por ser o único herdeiro do pai da criança. Eis aí um bom exemplo da perfeita incidência da norma. Aliás, desde as Ordenações do Reino, informava COELHO DA ROCHA , já se previa a obrigação dos avós paternos e maternos, que melhores meios tiverem, em relação aos netos na falta do pai e mãe.

Os avós podem ser chamados a complementar os alimentos dos netos, na ausência ou impossibilidade de o pai fazê-lo, sentenciou o colendo STJ [AgRg no Resp. 514356 SP, DJ de 18.12.2006, Ministro Humberto Gomes de Barros]. Esse enunciado eliminou a versão de que a responsabilidade dos avós seria meramente sucessiva, porque reafirma que é também complementar quando demonstrada a insuficiência de recursos do genitor [Resp. 804150 DF, DJ de 2.5.2006, Ministro Jorge Scartezzini]. Os avós somente serão convocados subsidiariamente, ou seja, na falta dos pais. Porém, o conceito de falta dos pais foi ampliado e não se restringe exclusivamente à ausência física do provedor natural, mas, sim, quando sua presença é inócua para os fins alimentares. A reiterada e injustificada contumácia paterna no cumprimento do dever de alimentos os filhos, que se prova por inúmeras execuções frustradas, quer na forma do artigo 732, do CPC, quer pelo sistema de prisão [artigo 733, do CPC], é uma evidência da falta que obriga o neto a se dirigir aos avós em busca dos alimentos recusados.

Nunca é demasiado lembrar que o filho deve propor ação contra o pai, porque a ele incumbe, com primazia, a responsabilidade de criar e sustentar a prole, o que elimina o dever dos demais parentes [artigos 1591 e 1594, do CC]. Caso o pai esteja ausente [artigo 22, do CC], foragido, preso, desaparecido, ou em lugar incomunicável e de difícil acesso [no estrangeiro], admite-se que a ação possa ser promovida diretamente contra os avós. Nada impede que o filho, diante da notória incapacidade econômica do pai, ingresse com ação contra o pai e os avós, sendo que não se recomenda ao juiz excessivo rigor na análise da aptidão da inicial, porque quem postula não pode esperar que se defina, previamente, a titularidade passiva. Magistrado que atua com prudência deve aceitar a inicial, fixar alimentos provisórios [artigo 4º, da Lei 5478/68] e aguardar as provas sobre a plena capacidade de o pai sustentar o seu filho, pois, se isso for demonstrado, será lícito excluir os avós da lide, como orienta CARLOS ROBERTO GONÇALVES: “a ausência de prova inequívoca da capacidade econômica do pai é matéria de mérito, devendo, pois, ser verificada durante a instrução do processo, e não ser indeferida a pretensão initio litis ou no despacho saneador” .

Existe solidariedade passiva entre os avós? Não, inclusive porque a solidariedade não se presume, diz o artigo 265, do Código Civil. Existe solidariedade passiva para aqueles que responderão pelos alimentos perante os idosos, nos termos do artigo 12, da Lei 10.741/03 [Estatuto do Idoso]. A ilustre Ministra NANCY ANDRIGHI lembra que a obrigação dos avós perante os netos “não é solidária, mas conjunta, isto é, todos os avós-devedores devem compor o pólo passivo”.

Os avós respondem de forma proporcional, isto é, nos limites da capacidade econômica de cada qual. O próprio STJ, em exame do artigo 1698, do CC, reconheceu não existir solidariedade, apesar da expressão “sendo várias pessoas obrigadas a prestar alimentos todos devem concorrer na proporção dos respectivos recursos” [Resp. 658139 RS, DJ de 13.3.2006, Ministro Fernando Gonçalves]. O que esse sistema de proporcionalidade estimula é a formação de litisconsórcio obrigatório simples, recomendando-se que se incluam, na lide, os demais avós, para que a sentença decida a responsabilidade de cada qual, diluindo entre os avós [paternos e maternos] os devidos encargos diante do neto que precisa de sustento. Os juízes são responsáveis pela segurança e celeridade do processo [artigo 125, I e II, do CPC] e deverão agir de ofício para que os demais avós sejam incluídos rapidamente na lide, mesmo que sinais indiquem que um dos avós já esteja cumprindo seu encargo, com destinação de moradia para o neto. Cumpre fixar os alimentos provisórios e mandar citar os demais, para que os interesses da criança não se prejudiquem diante dessas estratégias processuais, até porque as chances de um maior provisionamento para o reclamante serão maiores diante de um maior número de coobrigados habilitados para a prestação.

Recomenda-se que se forme o quadro passivo completo, ainda que persista dúvida sobre não ter um dos avós potencialidade econômica de suportar o encargo, porque se o processo for sentenciado com esse resíduo de questionamento, poderá ser anulado em Segundo Grau e retroceder para que se constitua integralmente o litisconsórcio. O ideal é que todos os avós se façam presentes e, na sentença, defina o juiz, sem risco para o prazo razoável do processo, a proporcionalidade adequada de cada um.

Outra questão especial na prestação de alimentos pelos avós está relacionada com o arbitramento [artigo 1694, § 1º, do CC], sendo recomendável transcrever o que afirmou JOSÉ ROBERTO PACHECO DI FRANCESCO , experiente Advogado: “A fixação da obrigação alimentar é questão de fato, sujeita, portanto, ao prudente critério da autoridade judiciária. Todavia, o juiz, ao fixá-la, deve atender a certos elementos fáticos, como a idade, a saúde, a condição social do alimentado e sobretudo sua aptidão para exercer uma atividade profissional. De outro lado, o magistrado, ao analisar as possibilidades econômicas do alimentante, deve por igual considerar não apenas os seus ganhos mensais, mas também o patrimônio, a atividade e qualificação profissional, e principalmente, os sinais exteriores de riqueza”.

Os alimentos são fixados de acordo com a necessidade de quem pede, sendo que, se o montante do necessário não estiver inserido na capacidade do alimentante, “a pensão deverá ser fixada no limite da possibilidade deste, ainda que aquela necessidade não seja inteiramente satisfeita”, orienta SÍLVIO RODRIGUES, que, em seguida, esclarece: “do mesmo modo, se as necessidades do alimentado, com todos os seus requintes, forem satisfeitas sem que se absorvam as possibilidades do devedor, a pensão deverá ser fixada no montante daquelas, sem onerar mais do que o necessário, o obrigado. Imagine-se, apenas para exemplificar, que as necessidades do alimentado, incluindo estudo, médico, roupas, lazeres, viagens, recreio, etc. montem a 100. É nesta cifra que deve ser fixada a pensão, embora o alimentante tivesse a possibilidade de dar 1.000. Por que, quando se fala em obrigação alimentícia, está se cogitando de uma prestação assistencial e não de partilha de patrimônio”.

Com esses parâmetros e sempre atento para as dificuldades naturais dos avós, pessoas idosas, o juiz atuará de maneira a responsabilizá-los, em proporção, na medida justa das necessidades do neto, sopesando a possibilidade de cada um. Evidente que o idoso, assim considerada a pessoa com idade superior a 60 anos, é digno de proteção especial [artigos 2º e 3º, da Lei 10.741/03], o que não significa exclusão de sua responsabilidade diante dos netos que esperam dele o auxílio indispensável, exatamente porque a ordem jurídica também privilegia os menores, nos termos da Lei 8069/90, artigos 2º e 4º. O que o confronto dessas leis indica, diante da neutralidade do artigo 229, da CF, é que a criança está situada em um degrau acima do patamar de equilíbrio, notadamente por não contar com os pais para sustentá-la, o que conduzirá o juiz a definir o direito do neto como preponderante, na forma do artigo 227, da CF. O arbitramento do quantum, contudo, deverá atentar para a particular situação do avô idoso, observando o valor necessário para as despesas fundamentais do alimentado.

Tudo é relativo nas ações judiciais, pois as particularidades dos casos concretos surpreendem. Na experiência de juiz, em Segundo Grau, examinei, como relator, hipótese em que figurava no pólo passivo um rico avô paterno, do tipo dominador dos próprios filhos e que surgiu no cenário das provas como homem mão aberta para os netos, filhos dos filhos que permaneciam sob seu jugo profissional, e, ao inverso, perdulário para duas netas que ficaram sob a guarda da mãe, quando ocorreu a separação do casal. O pai das meninas alegava impossibilidade de arcar com o valor que as filhas pediam, porque ganhava um salário mínimo como empregado da fazenda do pai e, por isso, foi postulada a complementação. O julgamento foi de obrigar o avô a acrescentar a verba necessária para que as duas postulantes alcançassem o mesmo status dos netos favorecidos pela distribuição voluntária da renda, para que se mantivesse a igualdade que o provedor instituiu pelo estilo singular na administração dos interesses da família. Nem sempre, pois, o avô figura no processo como parte hipossuficiente.




7. Os alimentos e o dever de prestar contas.

A lei concede todos os seus favores ao credor e reserva para o devedor somente o rigor das sanções. Não se critica o esquema de facilitação do cumprimento da obrigação, até porque o direito de conservação da vida garantido pelos alimentos não poderá claudicar diante do inadimplemento. Quando o devedor é assalariado, seja do sistema público ou do regime privado, procede-se ao desconto em folha, uma medida racional e eficiente [artigos 16, da Lei 5478/68 e 734, do CPC]. O valor devido poderá ser deduzido de alugueres ou outros rendimentos, inclusive da verba do FGTS, porque, apesar de sua natureza indenizatória, constitui um patrimônio que poderá ser comprometido para saldar a dívida do alimentado [artigo 17, da Lei 5478/68]. O devedor submete-se ao processo de execução por expropriação de bens, inclusive com penhora on line [artigo 732, do CPC] e por meio de coerção da liberdade pela prisão civil [artigos 733, § 1º, do CPC e 5º, LXVII, da CF], sendo que se aplica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica [artigo 50, do CC] para evitar que o devedor empresário fique descapitalizado [patrimônio pessoal] por incorporar seus bens em sociedades empresárias que controla. Na Argentina, pela disposição do artigo 376 bis, do Código Civil, é possível proibir o direito de visita para o alimentante que não paga alimentos, segundo EDUARDO A. ZANNONI.

O alimentante poderá fiscalizar ou exercer algum tipo de controle quanto ao critério que o alimentado utiliza para administrar o quantum pago? Em princípio, não. Sendo os alimentos consumíveis e irrepetíveis, o devedor ou se conforma com a conduta do alimentado ou exerce ação do artigo 1699, do CC [revisional para diminuir ou pedido de exoneração] em caso de comportamento incompatível com o dever de necessidade. Não se poderá exigir prestação de contas e seria um absurdo admitir isso em alimentos prestados entre ex-cônjuges e ou ex-companheiros, por constituir uma invasão indevida [ingerência econômica] na vida das alimentadas. Também em relação aos filhos maiores, que são independentes e livres para gerenciamento dos valores destinados para conclusão de cursos universitários ou profissionalizantes, cabe ao alimenta pleitear a exoneração em constatando que o filho não aplica os rendimentos para a causa da obrigação complementar que presta.

O problema surge em relação aos filhos menores, credores de prestações [algumas vultosas], porque nem sempre a mãe, a quem a guarda foi confiada, administra, com eficiência e honestidade, os valores pagos. Há um princípio jurídico que se segue e que informa não terem os pais responsabilidade pela administração dos bens dos filhos, a não ser que ajam com culpa e, por isso, não estariam, em regra, obrigados a prestar caução, nem a lhe render contas. Esse enunciado decorre do artigo 1689, II, do CC, que outorga poder de administração dos bens dos filhos, pelo exercício do poder familiar e está centrado na presunção de que a aplicação dos recursos se fará em proveito e no interesse dos menores.

É de se observar que a ação do artigo 914, do CPC, possui objeto definido e direcionado à constituição de título executivo, seja de crédito ou de débito [artigo 919, do CPC]. A ação de prestação de contas é apropriada para resolver litígios derivados de relações de direito material em que surgem dúvidas sobre a licitude de administração de bens ou valores, de modo que a cognição que se abre aos litigantes permite devassar essa contabilidade para apurar, pelo balanço mercantil, o quantum debeatur que surge quando as contas não zeram. Portanto, a ação de prestação de contas não é destinada a produzir prova de irresponsabilidade ou má administração de bens de menores, mas, sim, confirmar esse estado fático para constituir um título executivo. Daí o pronunciamento do colendo STJ [Resp. 985061 DF, DJ de 16.6.2008, Ministra Nancy Andrighi], cuja parte da ementa transcrevo:

“A situação jurídica posta em discussão pelo alimentante por meio de prestação de contas não permite que o Poder Judiciário oferte qualquer tutela à sua pretensão, porquanto da alegação de que a pensão por ele paga não está sendo utilizada pela mãe em verdadeiro proveito à alimentada, não subjaz qualquer vantagem para o pleiteante porque: (i) a já referenciada irrepetibilidade dos alimentos não permite o surgimento, em favor do alimentante, de eventual crédito; (ii) não há como eximir-se, o alimentante, do pagamento dos alimentos assim como definidos em provimento jurisdicional, que somente pode ser modificado mediante outros meios processuais, próprios para tal finalidade”.

O enunciado é adequado casuisticamente e servirá para refrear o ímpeto dos alimentantes que dão “o que lhes sobram” ou “o supérfluo”, como anotou MARCO AURÉLIO S. VIANA e que, ainda assim, por razões socialmente inaceitáveis ou moralmente reprováveis, pretendem, com questionamentos vis, intervir na escolha administrativa da ex-esposa ou ex-companheira, mãe de seu filho ou filhos. Na imensidão de casos similares, quase sempre os valores destinados pelos pais mal dão para cobrir as despesas fundamentais, e seria um contra-senso legitimar os alimentantes para, em nome próprio, exigir que as guardiãs prestem contas dos verdadeiros milagres que realizam na administração dos valores. Concorda-se que esse poder de fiscalização deverá ser exercido pelas vias adequadas, reservando-se ao pai insatisfeito obter a modificação de guarda, caso se confirme comportamento desidioso no cumprimento do artigo 1634, I, do CC. As iniciais deverão ser rejeitadas com apoio no artigo 267, VI, do CPC.

A dúvida surgirá na observância do precedente, que, diga-se, está lavrado com criteriosa fundamentação, como é peculiar dos acórdãos relatados pela eminente Ministra Nancy Andrighi, quando envolver uma prestação de valor significativo, cuja administração, pela mãe da criança, é motivo de justificada aflição do alimentante. Aliás, esse alimentante não deseja modificar a guarda do filho, por razões pessoais e do interesse do menor, e sequer está preocupado em diminuir o valor da pensão, devido ao interesse de preservar um adequado padrão de vida ao infante. Portanto, como ele deverá proceder, diante de todas essas circunstâncias, ao tomar conhecimento de que sua ex e mãe do seu filho, não está pagando a escola particular na qual o filho foi matriculado e o plano de saúde que lhe garante assistência à saúde?

Penso que a primeira resposta seria obrigar o alimentante a ingressar com ação para redimensionar a prestação, retirando os valores de educação [colégio] e saúde [seguro ou plano de saúde] do quantum destinado, para que o pai assumisse a responsabilidade por tais encargos, diminuindo, proporcionalmente, o valor destinado. É uma alternativa, sem dúvida. Ocorre que o pai não deseja isso, porque, se o fizer, deverá fazê-lo também em relação a outros itens da vida do filho, o que certamente o obrigará a decidir qual o melhor cardápio das refeições e os melhores fornecedores. Portanto, essa opção está fora de cogitação.

Assim, se não há como obrigar o pai a modificar a guarda ou alterar a prestação alimentar, cabe-lhe, como administrador dos bens do filho [artigos 1689, II e 1692, do CC] e seu representante [artigo 1634, V, do CC], promover, em nome do filho, ação de prestação de contas contra a mãe, visando, pela confirmação dos desvios da finalidade dos bens do menor, a obrigar a administradora a devolver as quantias malversadas [mensalidades escolares, planos de saúde, etc], pretensão que é do interesse do Ministério Público fiscalizar, em caso de incapaz [artigo 82, I, do CPC]. A ação de prestação de contas poderá, em determinadas hipóteses, corrigir deformações que prejudiquem as aspirações dos alimentados, proporcionando, inclusive por meios de tutela antecipada [artigo 273, do CPC], que os vácuos abertos pela inadimplência das prestações de escolas e planos de saúde sejam imediatamente cobertos, impondo multas para que a mãe cumpra logo tais deveres e intervenções na conta bancária da gestora, como facultado pelo artigo 461, §§ 4º e 5º, do CPC. Enfim, a ação de prestação de contas não terá sua função desvirtuada e proporcionará completa satisfação aos projetos familiares, principalmente para o alimentado, que, com isso, recuperará seu patrimônio. Não convém excluí-la do rol das medidas judiciais possíveis para bem compor as questões de alimentos.

Portanto, é dever do juiz examinar as condições peculiares da causa petendi das ações de prestações de contas, sendo que deverá ser admitida quando seus desígnios estiverem afinados com o sentido de proteção dos menores, como dispõe o artigo 1920, do Código Civil de Portugal, conforme explica GUILHERME DE OLIVEIRA , catedrático da Universidade de Coimbra:

“No que respeita à protecção dos bens dos menores, sublinho a importante lista de actos que os pais não podem praticar sem autorização prévia dos tribunais apesar de serem os representantes legais dos filhos menores (artigo 1889 do C.C.). Por outro lado, quando a administração que os pais fizerem for muito má, é sempre possível requerer ao tribunal as providências que parecerem adequadas, designadamente a prestação de informações sobre a administração, a prestação de contas, ou o pagamento de caução (artigo 1920 do C.C.). Em último caso pode ser decretada uma inibição do poder paternal no que se refere à gestão do patrimônio; nesse caso será nomeado um administrador dos bens do menor (artigos 1922 e 1915, n. 2, do C.C.)”.

O não cabimento de prestação de contas é uma regra não absoluta, e negar ao alimentante o acesso a esse instrumento, em situações em que o guardião utiliza a pensão alimentícia do filho menor para satisfazer seus gastos pessoais, seria admitir a imunidade pela improbidade na administração dos bens dos menores, o que é inconcebível, até por questões de política de combate ao crime.




8. A compensação é possível?

Surgem com relativa frequencia controvérsias sobre compensação envolvendo dívidas alimentícias e convém recordar os princípios que regem a matéria. Compensar é modo indireto de extinção das obrigações e consta do art. 368, do CC: “se duas pessoas ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”, sendo que POTHIER considerou ser valor de equidade em virtude de interesse das partes, anotando: “Es evidente que cada una de ellas tiene mayor interés en compensar, que no en sacar de su bolsillo lo que deben para pagar, o emprender diligencias para hacerse abonar lo que se les debe”. O direito quer que os sujeitos concretizem seus propósitos da maneira mais rápida, eficiente e econômica e, por isso, permite que façam um acerto das obrigações recíprocas por intermédio de uma operação aritmética de débito e crédito, extinguindo as dívidas até o limite do que é permitido deduzir uma da outra. Ocorre que a compensação não é admitida para dívida de alimentos, como decorre dos arts. 373, II e 1707, do Código Civil e a proibição decorre da necessidade de priorizar a forma de pagamento da dívida de alimentos pela entrega do suficiente para que o credor obtenha meios de satisfazer suas necessidades. Eliminar a prestação de alimentos por conta de dívidas do alimentado é asfixiar suas chances de sobrevida, ou, como disse JOÃO FRANZEN DE LIMA , “se fosse permitida a compensação, seria anular o amparo da lei, privando o alimentando daquilo que é necessário para viver”.

O sistema jurídico preserva a coerência ao estabelecer a incompensação da dívida de alimentos e, ao enaltecer o privilégio da natureza alimentar e o valor da dignidade humana (art. 1º, III, da Constituição Federal) preserva o direito de o alimentado receber a verba que é destinada para sua sobrevivência contra todos e até “contra si mismo”. O Código Civil de Portugal, no art. 2008, 2, é bem claro: “o crédito de alimentos não é penhorável, e o obrigado não pode livrar-se por meio de compensação, ainda que se trate de prestações já vencidas”. As mesmas regras constam no Código da Espanha (arts. 151 e 1200, § 2º), no da Itália (art. 447, item 2) e no da Argentina (arts. 374 e 825). A relação jurídica que cria a obrigação de alimentos é de conteúdo patrimonial dirigida por ordem pública, isto é, o sentido econômico da prestação atende ao propósito de preservar a vida do alimentado, o que garante contornos especiais e restritivos, como a de ser incompensável, incedível, irrenunciável e impenhorável.

Existem situações que animam refletir sobre a admissibilidade da compensação e com dívidas de natureza diversa. A ressalva é oportuna porque ao se defrontar com a inusitada hipótese de o credor de alimentos ser devedor de alimentos de quem lhe presta alimentos, o juiz deve aceitar a compensação porque os créditos são da mesma natureza, e, como anota MENEZES LEITÃO , “não haverá problemas em admitir a compensação”. As excepcionais figuras que permitiram abertura no severo regime de não compensação de dívida de alimentos estão, obrigatoriamente, relacionadas com dívidas que perderam o caráter alimentar propriamente dito, o que ocorre com prestações antigas (as conhecidas dívidas pretéritas) que, não obstantes essenciais, não se destinam, agora, para cobertura de itens fundamentais da subsistência do alimentado. Os processos mostram que essa transformação da premente utilidade é imposta pela demora na execução da dívida ou pela resistência do devedor em satisfazer o encargo, fatos que associados ao lento caminhar das ações judiciárias, obriga o alimentado a sobreviver com recursos de outras fontes que não o da prestação de alimentos. Essas prestações que se somam e ganham vulto são, para todos os fins e desde que executadas com observância da Súmula 309, do STJ, passíveis de prisão do devedor, na forma dos arts. 733, § 1º, do CPC e 5º, LXVII, da Constituição Federal, o que realça a importância delas.

Alimentos não se atrasam. Essa expressão deve ser interpretada em duplo sentido, tanto para conscientização dos devedores sobre a prontidão do cumprimento e para que os credores não percam tempo quanto a execução, porque o tempo corrido esvazia o caráter alimentar da obrigação e cria um aspecto que se aproxima mais do sentido indenizatório. A demora do credor em cobrar os alimentos poderá ser justificada e até se explica diante da má vontade do devedor em satisfazer os valores, sendo que PLANIOL e RIPERT chamavam a atenção para que a jurisprudência não generalizasse e acolhesse, indiscriminadamente, a tese de inexigibilidade de alimentos pretéritos com base na falta de necessidade. O fato é, contudo, que há diferença quando em pauta alimentos atuais e alimentos vencidos, sendo que sobre esses últimos poderá o juiz acolher compensação, quando essa fórmula da extinção atender outros princípios gerais de direito, notadamente a proibição ao enriquecimento sem causa e privilegiar a má-fé.

Cabe pensar na situação em que ocorre, sem razão jurídica, desconto de pensão alimentícia fixada em percentual dos rendimentos do trabalhador, sobre verbas rescisórias. O juiz pode, traído pelo volume de serviços que impede análise pormenorizada dos processos, bloquear parte da verba da rescisão sem atentar para a não inclusão, expressa, de indenizações rescisórias na base de cálculo dos alimentos. O credor obtém o bloqueio e consome os valores respectivos, sendo difícil ou impossível a restituição e cumpre perguntar: o que fazer? Não hesito em afirmar a compensabilidade, quitando as prestações vencidas (e não as futuras) para que o cred or de alimentos não se locuplete à custa do devedor (art. 884, do CC). O ilustre RODRIGO DA CUNHA PEREIRA cita precedente nesse sentido, oriundo do TJRS e menciona Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AgIn. 250729-4/0, relator Desembargador Ênio Santarelli Zuliani) em situação diversa: “Execução de alimentos. Pensão alimentícia destinada a filho maior. Período de inadimplência que coincide com a estada do alimentado nos EUA, ocasião em que o alimentante efetuou o pagamento das contas efetivadas pelo filho, no exterior, com cartão de crédito. Possibilidade de dedução do montante devido, sob pena de animar o enriquecimento indevido”.

JOSÉ ROBERTO PACHECO DI FRANCESCO menciona diversos precedentes que abonam a compensação, inclusive dois oriundos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AgIn. 583.117-4/7, j. 11.03.2008, relator Desembargador Carlos Augusto de Santi Ribeiro e Ap. Cível 316.224-4/6, j. 12.05.2005, relatora Desembargadora Isabela Gama de Magalhães). O colendo STJ não permitiu que um pai descontasse do valor da dívida executada “valores pagos a título de mensalidades escolares, quanto a tanto não anuiu o credor” (Resp. 105.0994 DF, DJ de3.10.2008), sendo de ser referido que existem decisões favoráveis. A primeira a ser citada admitiu que se considerasse quitada dívida de alimentos (em execução) por ter o devedor pago, em benefício do credor, verbas relativas a IPTU, condomínio e plano de saúde (AgIn. 961.271 SP, DJ de 17.12.2007, Ministro Humberto Gomes de Barros) o que se repetiu (despesas de IPTU e condomínio) no julgamento do Resp. 982857 RJ, DJ de 3.10.2008, Ministro Massami Uyeda, com a seguinte ementa:”Vigora, em nossa legislação civil, o princípio da não compensação dos valores referentes à pensão alimentícia, como forma de evitar a frustração da finalidade primordial desses créditos: a subsistência dos alimentários. Todavia, em situações excepcionalíssimas, essa regra deve ser flexibilizada, mormente em casos de flagrante enriquecimento sem causa dos alimentandos, como na espécie”.

O princípio do enriquecimento sem causa incide nas questões familiares, afirma com propriedade GIOVANNI ETTORE NANNI : “Isso implica afirmar que o direito de prestar e receber os alimentos também deve ser marcado pela boa-fé, probidade e respeito à justa relação obrigacional. Presente uma situação de dolo, como a omissão dolosa de informar a constituição de nova entidade familiar – causa de exoneração de alimentos -, ou erro – o solvens pensa equivocadamente que era devedor de verba alimentar -, deve ser permitida a repetição das verbas pagas, com esteio no princípio que veda o enriquecimento sem causa”.

Cumpre finalizar que não somente a repetição é possível em virtude do princípio, como possível será a compensação sobre dívidas vencidas quando o credor de alimentos, em comportamento de má-fé (art. 422, do CC) auferir as vantagens de pagamentos realizados pelo devedor e que compõem, necessariamente, verbas alimentares (como despesas escolares, de planos de saúde, de habitação – IPTU, condomínio, reformas necessárias, médicas, odontológicas e para lazer, como viagens) e se recusa, de forma injustificada, a abater os respectivos montantes sobre o saldo em aberto. O juiz compromissado com a técnica de julgar que busca o equilíbrio financeiro das relações sucessivas, certamente, reconhecendo que a compensação produz apenas vantagens (e não o enriquecimento sem causa) admitirá a quitação sem receio de afrontar normas ortodoxas que não se justificam para situações especiais.



9. A tutela antecipada para alimentos provisórios na ação de investigação de paternidade.

SÍLVIO RODRIGUES admite que as inovações do processo civil, para fins de dar celeridade às ações de alimentos, buscaram “amparar o litigante mais fraco”, o que não impediu de advertir sobre o perigo de, a pretexto de agilizar os processos, prejudicar o formalismo abonador da segurança do processo justo. É mister que os juízes imprimam dinâmica compatível com a necessidade do alimentado, sem, contudo, ofender os princípios informadores do devido processo legal [artigo 5º, LV, da CF], sendo que um dos desafios nessa busca do ponto exato reside na antecipação de tutela [artigo 273, do CPC] nas ações de investigação de paternidade [Lei 8560/92 e artigos 1605 e 1606, do Código Civil], em virtude da eficiência do exame DNA para decifrar o vínculo biológico de pais e filhos.

Como é notório, o juiz não está autorizado a conceder alimentos provisórios sem prova do parentesco, o que obsta que se conceda a quem reivindica a paternidade, os alimentos que são indispensáveis, competindo aguardar a sentença para que sejam fixados retroativamente à citação [Súmula 277, do STJ]. Porém e em virtude do artigo 232, do CC, que estabelece a presunção de paternidade em caso de o réu se recusar a participar do exame, surge a oportunidade de adiantar os alimentos por conta do instituto da tutela antecipada, uma das importantes alterações do sistema processual. Convém anotar que, no caso de o réu concordar em realizar o teste e ser confirmada a paternidade, cabe ao juiz, se isso lhe for requerido, aplicar o artigo 273, do CPC, em qualquer fase do processo e conceder os alimentos provisórios, porque existe a verossimilhança do direito e a prova inequívoca do direito deduzido pelo alimentado. Na hipótese de o autor da ação exibir exame positivo de DNA, realizado em “laboratório conceituado”, na expressão de JOÃO BATISTA LOPES , está autorizada a antecipação de tutela. Sendo confiável a prova da paternidade, os alimentos provisórios constituem direito do filho, sendo prudente, porém, respeitar a bilateralidade da audiência, ou seja, ouvir o réu antes de decidir [artigo 5º, LV, da CF] “salvo quando a citação prévia puder colocar em sério risco a eficácia da medida”, lembra EDUARDO ARRUDA ALVIM.

Dúvidas, no entanto, surgem quando o réu frustra, com sua ausência, o exame e a própria descoberta da verdade real sobre a filiação.

O meu ilustre colega, Desembargador ANTÔNIO CARLOS MATHIAS COLTRO , lembra, com inteira razão, que a recusa do réu em fornecer material para confronto da herança genética não é, por si só, prova cabal da paternidade, mas, sim, uma presunção a ser convalidada no cotejo das demais provas colhidas na instrução. Embora verdadeiro, o enunciado não pode desencorajar os juízes que serão chamados a decidir as antecipações de tutela diante da insubmissão do réu, exatamente porque estão julgando matéria que implica conservação da vida do alimentado, uma questão de dignidade humana [artigo 1º, III, da Constituição Federal]. Considera-se, para fins do artigo 273, do CPC, que a recusa do réu em participar do exame transcende o aspecto de direito material [paternidade] para se situar em esfera de abuso de direito processual, o que é, igualmente, um fenômeno de peso para subsidiar antecipações [inciso II, do mencionado artigo 273]. Resulta que nada obsta que se concedam alimentos provisórios, com apoio na paternidade alegada que se transformou em fato verossímil diante da recusa do réu em submeter-se ao exame de DNA.

A experiência em lides do gênero permite afirmar que os réus justificam a falta com as mais variadas e estapafúrdias desculpas, o que, a meu juízo, somente confirma o abuso de defesa [deslealdade, falta de empenho e cooperação com o Judiciário e propósito protelatório]. Não vou aconselhar que se fechem as portas de uma segunda oportunidade para que o exame se realize, por ser providencial a confirmação genética da paternidade, embora não custe recomendar que se faça isso obrigando o faltoso a pagar as despesas da outra parte para sua locomoção, nos termos do artigo 18, do CPC. Todavia, o incidente não pode servir para obscurecer o direito de o investigante obter, com base nos efeitos do artigo 232, a tutela antecipada para fins de fixação de alimentos provisórios, pela independência das situações.

A falta do réu ao exame, sem motivos plausíveis, produz, contra ele, conseqüências imediatas e desfavoráveis, robustecendo a alegação de paternidade, de modo que, se a defesa não contar com uma contra-prova que elida essa presunção prevista no artigo 232, do CPC, cabe ao juiz, desde que provocado, agir com presteza quanto à preservação dos direitos aos alimentos, para evitar que o comportamento instável do presumido pai continue sacrificando a consagração do direito do autor.






Referências bibliográficas.

Alvim, Eduardo Arruda. Antecipação da tutela. Juruá. PR. 2008.

Andrighi, Nancy. “Alimentos – os espinhos do processo”, in A família além dos mitos, coordenação de Eliene Ferreira Bastos e Maria Berenice Dias. Del Rey. Belo Horizonte. 2008.

Barbero, Domenico. Sistema del Derecho Privado. Tradução de Santiago Sentis Melendo. EJEA. Buenos Aires. 1967.

Bevilaqua, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Livraria Francisco Alves. RJ. 1941.

Bittencourt, Edgard de Moura. Alimentos. EUD. SP: 1974.
________________________. Guarda de filhos. EUD. SP. 1977.

Brutau, José Puig. Compendio de Derecho Civil. Bosch. Barcelona. 1991.

Carneiro, Manuel Borges. Direito Civil de Portugal. Imprensa de J.G. de Sousa Neves. Lisboa. 1867.

Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. Saraiva. 2006.

Coltro, Antônio Carlos Mathias. A investigação de paternidade, a recusa ao DNA e os arts. 231 e 232 do CC/2002, in Aspectos controvertidos do novo Código Civil, coordenação de Arruda Alvim. RT. 2003.

Cordeiro, Antônio Menezes. Tratado de Direito Civil Português. Livraria Almedina. Coimbra. 2004.

Cruz, João Claudino de Oliveira e. Dos alimentos no direito de família. Forense. RJ. 1961.

De Cupis, Adriano. Os direitos da personalidade. Livraria Morais. Lisboa: 1961.

Di Francesco. José Roberto Pacheco. Aspectos da obrigação alimentar. Revista do Advogado, n. 58. AASP. Março/2000.

Diniz, Maria Helena. Cessação do dever de prestar alimentos, in Grandes Temas da Atualidade – Alimentos, vol. 5, coordenador Eduardo de Oliveira Leite. Forense. RJ. 2006.

Espinola, Eduardo. A família no direito civil brasileiro. Editora Conquista. RJ. 1957.

Farias, Cristiano Chaves de e Nelson Rosenvald. Direito das Famílias. Editora Lúmen Juris. RJ. 2008.

Freitas, Augusto Teixeira de. Promptuário das leis civis. Instituto Typographico do Direito. RJ. 1876.

Garcez, Martinho. Do Direito da Família. Jacintho Ribeiro dos Santos Editor. RJ. 1914.

Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Saraiva. 2005.

Hironaka, Giselda Maria Fernandes Novaes. “A indignidade como causa de escusabilidade do dever de alimentar”, in Revista do Advogado n. 98. AASP. Julho de 2008.

Leitão, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações. Almedina. Coimbra. 2005.

Leite, Eduardo de Oliveira. Temas de Direito de Família. RT. 1994.

Lima, João Franzen de. Curso de Direito Civil Brasileiro, 2ª edição, vol. II. Forense. 1961.

Lobão, Manoel de Almeida e Souza de. Tractado das obrigações recíprocas. Imprensa Nacional, Lisboa, 1852.

Lopes, João Batista. Curso de Direito Processual Civil: execução civil e processo cautelar. Atlas. SP: 2008.
________________. Tutela Antecipada. RT. 2007.

Loureiro, Lourenço Trigo de. Instituições de Direito Civil Brasileiro. B.L. Garnier. RJ. 1884.

Mattia, Fábio Maria de. Direitos da personalidade: aspectos gerais, in Estudos de Direito Civil, coordenador Antônio Chaves. RT. 1979.

Nanni, Giovanni Ettore. Enriquecimento sem causa. 2ª edição. Saraiva. 2010.

Oliveira, Euclides de. Alimentos: transmissão da obrigação aos herdeiros, in Alimentos no Código Civil, coordenação de Francisco José Cahali e Rodrigo da Cunha Pereira, Saraiva & IBDFAM: 2005.

Oliveira, Guilherme de. Protecção dos filhos Proteçcão Familiar, in Temas de Direito da Família. Coimbra Editora. Coimbra. 2001.

Pereira, Lafayette Rodrigues. Direitos de família. Livraria Freitas Bastos. RJ. 1945.

Pereira, Rodrigo da Cunha. “Teoria geral dos alimentos”, in Alimentos no novo Código Civil, coordenação de Francisco José Cahali e Rodrigo da Cunha Pereira. Saraiva & IBDFAM. SP. 2005.

Pereira, Sergio Gischkow. A transmissão da obrigação alimentar, in Grandes Temas da Atualidade – Alimentos, vol. 5, coordenação de Eduardo de Oliveira Leite. Forense. 2006.

Pereira, Tânia da Silva. Dos alimentos: direito do nascituro e os alimentos no estatuto da criança e do adolescente, in Alimentos no Código Civil, coordenação de Francisco José Cahali e Rodrigo da Cunha Pereira. Saraiva & IBDFAM. SP. 2005.

Planiol, Marcel e Ripert, Georges. Tratado practico de Derecho Civil Francês, tradução de Mario Diaz Cruz. Cultural. Havana. 1939.

Pothier, Robert Joseph. Tratado de las obrigaciones, tradução de La Cuevas. Atalaya. Buenos Aire. 1947.

Rocha, M.A. Coelho da. Instituições de Direito Civil Português. Livraria Clássica. Lisboa. 1907.

Rodrigues, Silvio. Direito Civil Aplicado. Saraiva. 1981.
______________. Direito Civil – Direito de Família. Saraiva. 2004.

Silva, Regina Beatriz Tavares da. Código Civil Comentado, coordenação da própria. Saraiva. 2008.

Sousa, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O Direito Geral de Personalidade. Coimbra Editora. Coimbra. 1995.

Tartuce, Flávio e José Fernando Simão. Direito Civil: concursos públicos. Método. SP. 2006.

Trabucchi, Alberto. Instituciones de Derecho Civil, tradução de Luis Martinez-Calcerrada. Editorial Revista de Derecho Privado. Madrid. 1967.

Varela, João de Matos Antunes. Dissolução da sociedade conjugal. Forense. RJ. 1980.

Venosa, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. Atlas. SP. 2006.

Viana, Marco Aurélio da Silva. Dos alimentos, in Estudos de Direito Civil. Saraiva. 1986.

Zannoni, Eduardo A. Derecho de familia. Astrea. Buenos Aires. 1978.

Zuliani, Ênio Santarelli. Alimentos para filhos maiores, in Grandes Temas da Atualidade – Alimentos, vol. 5, coordenação de Eduardo de Oliveira Leite. Forense. RJ. 2006.


Os direitos da personalidade, p. 67.
Alimentos, p. 9.

Curso de Direito Processual Civil: execução civil e processo cautelar, vol. 3, p. 164.

Direito Civil Brasileiro, vol. VI, p. 444.

Direito das famílias, p. 639.

Direito Civil, série Concursos Públicos, vol. 5, 352.

CAPELO DE SOUSA, O direito geral de personalidade, p. 208, nota 403 e FÁBIO MARIA DE MATTIA, Direitos da personalidade: aspectos gerais, in Estudos de Direito Civil, p. 120.

Direito Civil Brasileiro, vol. VI, p. 468.

Direito Civil – Direito de Família, 6ª edição, p. 187.

Compendio de Derecho Civil, IV, p. 197.

Dissolução da sociedade conjugal, p. 109.

EDUARDO ESPÍNOLA, A família no direito civil brasileiro, p. 580, valendo anotar que antes do CC, de 1916, adotava-se a regra da transmissibilidade, o que se confere lendo-se o inciso IV, do § 168, da obra de BORGES CARNEIRO [Direito Civil de Portugal, tomo II, 1867, p. 190]: “a obrigação de prestar alimentos se transmite ao herdeiro ou donatário universal daquele que devia alimentar”.

Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, 6ª edição, vol. 2, p. 392.

“Alimentos: transmissão da obrigação aos herdeiros”, in Alimentos no Código Civil, p. 283.

O colendo STJ julga que “o espólio tem a obrigação de continuar prestando alimentos àquele a quem o falecido devia. Isso porque o alimentado e herdeiro não pode ficar à mercê do encerramento do inventário, considerada a morosidade inerente a tal procedimento e o caráter de necessidade intrínseco aos alimentos” [Resp. 1010963 MG, DJ de 5.8.2008, Ministra Nancy Andrighi]. Essa ementa demonstra que se segue a linha da posição assumida no Resp. 219.199 PB, DJ. de 3.5.2004, Ministro Fernando Gonçalves. Não se examinou, nesses dois precedentes, a possibilidade de compensação dos valores pagos no quinhão do herdeiro credor de alimentos.

Curso de Direito Civil, vol. 5, p. 208.

“A transmissão da obrigação alimentar”, in Grandes Temas da Atualidade – Alimentos, vol. 5/268.

Dos alimentos no direito de família, 2ª edição, p. 85.

O STJ deferiu indenização ao nascituro [dano moral] em virtude de morte do pai em acidente do trabalho e, no arbitramento do quantum, não admitiu diferenciação em relação aos demais filhos [Resp. 931556 RS, DJ de 5.8.2008, Ministra Nancy Andrighi].

“Dos alimentos: direito do nascituro”, in Alimentos no novo Código Civil, p. 160.

Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral I, tomo III, p. 269.

Temas de Direito de Família, p. 140.

Código Civil Comentado, 6ª edição, p. 1862.

Direitos de família, 4ª edição, p. 337 e Instituições de Direito Civil Brasileiro, 5ª edição, I, p. 104.

Promptuário das leis civis, p. 53.

Instituições de Direito Civil Português, 7ª edição, tomo I, p. 225, § 329.

Tractado das obrigações recíprocas, p. 9.

Alberto Trabucchi, Instituciones de Derecho Civil, tomo I, p. 270 e Domenico Barbero, Sistema del Derecho Privado, tomo II, p. 204.

Ênio Santarelli Zuliani, “Alimentos para filhos maiores”, in Grandes Temas da Atualidade – Alimentos, vol. 5, p. 110 e seguintes.

Direito Civil, série Concursos Públicos – Direito de Família, vol. 5, p. 359.

Direito Civil – Direito de Família, 6ª edição, p. 394.

Curso de Direito Civil, vol. 5, p. 205

“Cessação do dever de prestar alimentos”, in Grandes Temas da Atualidade – Alimentos, v. 5/169.

A indignidade como causa de escusabilidade do dever de indenizar, Revista do Advogado n. 98, p. 107.

Do Direito da Família, 1914, p. 306.

Guarda de filhos, p. 107.

Instituições de Direito Civil Português, tomo I, 7ª edição, p. 222, § 324.

Direito Civil Brasileiro – Direito de Família, vol. VI, p. 483.

“Alimentos – os espinhos do processo”, in A família além dos mitos, p. 230.

“Aspectos da obrigação alimentar”, Revista do Advogado AASP, n. 58, p. 109.

Direito Civil Aplicado, vol. 1, p. 45.

Derecho de familia, tomo I, p. 104.

“Dos alimentos”, in Estudos de Direito Civil, p. 65.

“Protecção de Menores Protecção Familiar”, in Temas de Direito da Família, 2ª edição, p. 297.

Tratado de las obrigaciones, p. 389, § 623.

Curso de Direito Civil Brasileiro, 2ª edição, vol. II, tomo I, p. 273, § 233.

JOSSERAND, Derecho Civil, tomo I, vol. II, p. 331, § 1170.

Direito das Obrigações, 3ª edição, vol. II, p. 196.

Tratado practico de Derecho Civil Francês, tomo II, p. 44, § 54.

Justiça começa admitir compensar pensão alimentícia, http://www.conjur.com.br/2008-nov-04.

“Teoria geral dos alimentos”, in Alimentos no Código Civil, p. 12.

Enriquecimento sem causa, p. 403.

Direito Civil – Direito de Família, 28ª edição, vol. 6, p. 395.

Tutela Antecipada, 3ª edição, p. 61.

Antecipação da tutela, p. 225.

“A investigação de paternidade, a recusa ao DNA e os arts. 231 e 232 do CC/2002”, in Aspectos Controvertidos do novo Código Civil, p. 56.


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP