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Comunicado

CHARLATANISMO

PROCESSOS 563/1938 e 19109/1939

Desde o Brasil Colônia, sempre houve, por parte das autoridades, a preocupação de proibir o exercício ilegal da medicina, entretanto tal conduta mostrou-se também um modo de discriminar e cercear a prática de outras religiões, especialmente as de matriz africana. Essa discriminação estava presente no emprego de termos como “feitiçaria”, “magia”, “espiritismo”, “charlatanismo”, “curandeirismo”, entre outros; e seus praticantes, em algumas situações (inclusive nos processos judiciais), eram descritos como ignorantes, vagabundos, malandros e pessoas perniciosas à sociedade.

De acordo com a Constituição de 1824, a Religião Católica Apostólica Romana era a religião do Império e as demais seriam permitidas:
Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (grafia original)

O artigo acima deixa claro que as manifestações públicas de outras religiões eram proibidas.

A Constituição de 1891 tornou o Brasil um estado laico, ou seja, pela primeira vez houve a separação da Igreja e do Estado. Alinhada com o discurso positivista, de Auguste Comte, que tinha na ordem e na ciência os caminhos para o progresso social, a Constituição de 1891 não proibiu as práticas religiosas (Artigo 72, §3º), contudo criou meios para cercear o culto de outras religiões diversas do catolicismo – ainda que, a partir daquele momento o estado fosse laico. Os artigos 156, 157 e 158 do Decreto nº 847 de 11 de outubro de 1890 (Consolidação das Leis Penais) representavam “mecanismos reguladores de combate aos feiticeiros” (MAGGIE, Yvonne. Medo do feitiço: relações entre magia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992):
Art. 156. Exercer a medicina em qualquer dos seus ramos, a arte dentaria ou a pharmacia; praticar a homeopathia, a dosimetria, o hypnotismo ou magnetismo animal, sem estar habilitado segundo as leis e regulamentos:

Penas - de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100$ a 500$000.
Paragrapho unico. Pelos abusos commettidos no exercicio ilegal da medicina em geral, os seus autores soffrerão, além das penas estabelecidas, as que forem impostas aos crimes a que derem causa.
Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilegios, usar de talismans e cartomancias para despertar sentimentos de odio ou amor, inculcar cura de molestias curaveis ou incuraveis, emfim, para fascinar e subjugar a credulidade publica:
Penas - de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100$ a 500$000.
§ 1º Si por influencia, ou em consequencia de qualquer destes meios, resultar ao paciente privação, ou alteração temporaria ou permanente, das faculdades psychicas:
Penas - de prisão cellular por um a seis annos e multa de 200$ a 500$000.

§ 2º Em igual pena, e mais na de privação do exercicio da profissão por tempo igual ao da condemnação, incorrerá o medico que directamente praticar qualquer dos actos acima referidos, ou assumir a responsabilidade delles.

Art. 158. Ministrar, ou simplesmente prescrever, como meio curativo para uso interno ou externo, e sob qualquer fórma preparada, substancia de qualquer dos reinos da natureza, fazendo, ou exercendo assim, o officio do denominado curandeiro:
Penas - de prisão cellular por um a seis mezes e multa de 100$ a 500$000.

Paragrapho unico. Si o emprego de qualquer substancia resultar á pessoa privação, ou alteração temporaria ou permanente de suas faculdades psychicas ou funcções physiologicas, deformidade, ou inhabilitação do exercicio de orgão ou apparelho organico, ou, em summa, alguma /enfermidade:

Penas - de prisão cellular por um a seis annos e multa de 200$ a 500$000.
Si resultar a morte:
Pena - de prisão cellular por seis a vinte e quatro annos. (grafia original)

Não obstante à discriminação religiosa, a repressão ao exercício ilegal da medicina ia além da necessidade de resolver um problema sanitário, já que alguns atos de “curandeirismo” eram tidos como insalubres e causadores de óbitos. Tratava-se da luta da ciência (medicina) contra a “barbárie”, representada pela “feitiçaria”, “magia”, “sortilégios”, “espiritismo”, “curandeirismo” e “charlatanismo”.

Fontes:
Colucci, Sandra Regina. Superstição, charlatanismo e crime em São Paulo, 1925: representações dos discursos médico-sanitaristas. Vozes, Pretérito & Devir: Revista de História da UESPI, Ano I, vol 1, nº 2, 2013 p. 103-120;
Dias, João Ferreira. “Chuta que é Macumba”: o percurso histórico-legal da perseguição às religiões afro-brasileiras. Sankofa. Revista de História da África e de estudos da Diáspora Africana, Ano XII, nº XXII, maio/2019 p. 39-62;
Machado, Roberta Soares; Sá Júnior, Mário Teixeira de. Processa que é macumba: o lugar da macumba nos processos – Tribunal de Justiça de São Paulo (2009/2010). Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.1, nº 2 jan-jun, 2012 p. 55-83;

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm


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